A Lei das Sociedades Anônimas ou Lei das SA´s, 6.404, de15/12/1976, cujos autores intelectuais foram os juristas Alfredo Lamy Filho e
José Luiz Bulhões Pedreira, foi inspirada, principalmente, na legislação dos
EUA. Ao longo de sua existência, esse diploma legal passou por várias
alterações visando seu aprimoramento.
Um exemplo de alteração significativa no texto legal foi
a reforma criada pela Lei 10.303, de 31/10/2001, conhecida como Nova Lei das SA´s
e que buscou, em boa medida, favorecer sócios não controladores (minoritários),
em questões como fechamento de capital, política de dividendos, aceitação da
arbitragem para a resolução de contendas entre sócios, possibilidade de
indicação de um membro do conselho de administração por sócios não
controladores, reforço de prerrogativas do conselho fiscal e concessão do tag along (*) aos detentores de ações
ordinárias entre outras.
A Lei das SA’s pode ser analisada sob múltiplos ângulos: conteúdo,
estruturação, evolução ao longo do tempo, prerrogativas dos sócios
controladores, proteção aos sócios não controladores e vários outros. Correndo
o risco de desconsiderar aspectos relevantes da Lei, este artigo focaliza seu
conteúdo, identificando seis tópicos muito importantes abrangidos pelo texto
legal, não exaustivos:
1 – Reconhecimento de vários stakeholders
O primeiro aspecto diz respeito ao papel do acionista
controlador de equilibrar interesses de vários públicos. Nesse sentido, o
artigo 116 da Lei preconiza, em seu parágrafo único:
[...] o acionista
controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu
objeto e cumprir a sua função social, e tem deveres e responsabilidades para
com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e
atender.
Conforme enfatiza professor e advogado Milton Nassau
Ribeiro em seu livro denominado Aspectos
Jurídicos da Governança Corporativa (2007), a Lei não prioriza o interesse
de um público específico da empresa; tampouco estabelece uma relação hierárquica
entre interesses de distintos públicos. O que o artigo 116 expressa é que o
acionista controlador deve usar seu poder para realizar o objetivo da sociedade
considerando os interesses dos vários públicos que dela dependem.
2 – Obrigações, responsabilidades e direitos
dos sócios
A Lei estabelece obrigações, responsabilidades e direitos
dos sócios ou acionistas. São direitos essenciais dos mesmos participar dos
lucros sociais, participar do acervo da companhia, em liquidação, fiscalizar a
gestão dos negócios, ter preferência para subscrição de ações, debêntures e
outros títulos e retirar-se da sociedade em casos previstos (direito de
recesso).
3 – Assimetria de direitos dos sócios
A Lei estabelece diferenciação entre ações ordinárias
e preferenciais, mecanismo de separação entre propriedade e gestão que ainda nela
reside. Antes da Lei 10.303, ações ordinárias podiam representar 1/3 do capital
social; com a reforma, o limite foi ampliado para 50% para as novas aberturas
de capital.
4 – Tripé de Decisão
A Lei estabelece que o tripé assembléia geral-conselho de administração-administração é o
responsável pelas decisões corporativas. Adicionalmente, o texto legal também
institui o conselho fiscal, de grande importância para os acionistas não controladores,
por ter a prerrogativa de fiscalizar a cúpula das companhias, incluindo os
conselhos de administração.
5 – Obrigações e responsabilidades dos administradores
A Lei estabelece um conjunto de disposições relativas a
obrigações e responsabilidades de conselheiros, administradores e membros de
órgãos consultivos, tais como cuidado, diligência, respeito às atribuições, lealdade,
atenção a conflito de interesses, dever de informar (resguardadas as
informações cuja disponibilização poderia prejudicar a companhia) e outras.
6 – Formalidades relevantes a cumprir
A Lei estabelece um conjunto de formalidades a observar –
especialmente a publicação de informações, no caso de companhias abertas –, o
que, por um lado, amplia o custo das operações dessas companhias e por outro,
busca tranquilizar os acionistas não controladores.
A Lei das SA´s é extensa, complexa e tem recebido
críticas, no sentido de que não defenderia adequadamente os sócios não
controladores. Em que pesem as críticas, não se pode deixar de reconhecer que a
lei corporativa nacional contempla vários instrumentos relevantes de proteção
aos sócios, com destaque para o conselho fiscal, possivelmente mais importante
para esses acionistas do que o próprio conselho de administração.
(*) Tag along (ir junto) é um mecanismo de proteção aos sócios não controladores de uma companhia, que lhes permite deixar a sociedade, se o controle mudar de mão.
Mônica Mansur Brandão
(*) Tag along (ir junto) é um mecanismo de proteção aos sócios não controladores de uma companhia, que lhes permite deixar a sociedade, se o controle mudar de mão.
Mônica Mansur Brandão