A Ford Motor Company, fabricante de
automóveis mais conhecida ao redor do Planeta como Ford, foi criada em 1903, em
Detroit, Michigan (EUA), por Henry Ford, então com 39 anos, e outros acionistas,
entre os quais os irmãos e engenheiros John Francis Dodge e Horace Elgin Dodge.
Os irmãos Dodge eram do ramo automotivo, ajudaram na construção da fábrica da
Ford e, em 2014, criaram seu primeiro automóvel, o Dodge, em Detroit.
Ao longo
de anos, o processo de fabricação de automóveis pela Ford e outras montadoras foi
artesanal, sendo produzidos poucos veículos por dia pelos empregados. Entretanto,
em 1913, Ford revolucionou seu processo produtivo, criando a primeira linha de
montagem de automóveis. A inovação fez o preço do produto baixar, permitindo maior
acesso de pessoas ao uso do automóvel. O conceito de linha de montagem foi tão importante
que terminou sendo incorporado por todas as indústrias de automóveis,
permanecendo atual.
Em
1916, ano em que a Ford teve ótimo desempenho econômico-financeiro, Henry Ford,
acionista controlador, determinou uma mudança na política de dividendos até
então adotada: parte dos lucros da Companhia não seria distribuída, sendo direcionada
para investimentos em capacidade de produção, aumento de salários de
trabalhadores e um fundo de reserva para fazer face à redução inicialmente
esperada nas receitas, em função da queda os preços dos automóveis a serem produzidos.
A decisão foi tomada pelo conselho de administração da Ford.
Em
defesa dessa decisão, Ford argumentou que sua ambição era expandir a produção
industrial, contratando mais empregados, a fim de que seu produto alcançasse o
maior número possível de pessoas, ajudando-as a terem melhores vidas e melhores
lares. Para tanto, seria necessário utilizar parte dos recursos a serem pagos
como dividendos aos sócios da Companhia.
Os acionistas
não controladores John e Horace Dodge não aceitaram a decisão e a contestaram judicialmente.
O caso Dodges x Ford chegou à Suprema
Corte do Estado de Michigan, cuja decisão, tomada em 1919, isto é, três anos
após o anúncio do corte de dividendos, foi favorável aos Dodges. O argumento usado pela Corte foi: a empresa existe para beneficiar seus acionistas, cabendo aos
dirigentes corporativos a decisão sobre como alcançar tal propósito.
O
julgamento do caso Dodges x Ford permite
análises e reflexões sob vários enfoques. A primeira análise diz respeito ao embate
entre o modelo financeiro de governança (ler Quais são os principais fundamentos do modelo financeiro de governançacorporativa?), focado nos retornos econômico dos sócios, e o modelo dos stakeholders (Quais são os principais fundamentos do modelo dos stakeholders degovernança corporativa), do qual emergem conceitos como ética e
responsabilidade social. A decisão da Suprema Corte de Michigan foi consistente
com o primeiro modelo.
O embate
Dodges x Ford também diz respeito às
diferenças que podem haver entre os interesses dos sócios de uma empresa. A decisão
de Ford ia além da ideia de criar empregos e disseminar o uso do automóvel
entre os empregados e a sociedade: ele vislumbrou a possibilidade de expandir o
parque produtivo para fazer o custo dos automóveis baixar e vender mais
veículos ao longo do tempo. Seria um projeto de investimento com visão estratégica
e de longo prazo, típico das corporações atuais. Entretanto, cabe lembrar: os
Dodges, em 2014, criaram seu primeiro automóvel e talvez os dividendos a receber
fossem importantes para o seu negócio; esta é uma hipótese a ser comprovada.
Por
fim, o caso Dodges x Ford também permite
uma reflexão sobre o aparato institucional – o Poder Judiciário dos EUA. Ao se
posicionar a favor dos irmãos Dodge, a Suprema Corte de Michigan não deixou de privilegiar
o lado supostamente mais frágil da composição acionária da Ford: o dos sócios
não controladores. Ainda que em anos futuros, as decisões das cortes
estadunidenses tenham evoluído em prol de reconhecer a validade da responsabilidade
social corporativa.