quinta-feira, 18 de abril de 2019

Caso Mariana: o maior desastre ambiental do Brasil


A empresa mineradora Samarco Mineração S/A, de propriedade da brasileira Vale S/A e da anglo-australiana BHP Billiton (com participações de 50%/50%), ou melhor dizendo, uma de suas áreas de acumulação de resíduos minerais foi o principal palco do maior desastre ambiental ocorrido no Brasil: no fatídico dia 5 de novembro de 2015, quinta-feira, uma barragem de rejeitos da Samarco, no município de Mariana, se rompeu. A enxurrada de lama tóxica da barragem de Fundão avançou sobre terras e rios, matando 19 pessoas e criando um dano ambiental sem precedentes no País.

A onda de lama resultante da ruptura da barragem de Fundão soterrou o subdistrito de Bento Gonçalves, atingiu municípios próximos dos leitos do Rio Doce e seus afluentes e chegou ao Oceano Atlântico, no litoral do Espírito Santo. Mais de 330 hectares de Mata Atlântica entre Mariana e Ponte Nova, distantes em cerca de 114 km, foram destruídos, sendo que a maior parte dessas terras era mata nativa. Destaca-se que a bacia do Rio Doce alcança 228 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, vários dos quais dela se abasteciam de água.

Rejeitos vazados da barragem de Fundão teriam passado sobre a barragem de Santaré­m, mas sem que essa se rompesse. Entretanto, a ruptura da primeira foi suficiente para criar uma catástrofe ambiental sem precedentes, ceifando vidas, destruindo o meio ambiente por onde a onda de lama passou e prejudicando – eventualmente, eliminando – o trabalho de muitas pessoas.

O rompimento da barragem em Mariana não foi o primeiro episódio provocado por operações da Samarco com danos socioambientais, já que houve outros. Em 2014, a Companhia foi acusada de provocar poluição em Vitória, capital do Espírito Santo, o que culminou na criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto, instaurada pela Assembleia Legislativa do Estado. Após cerca de oito meses de trabalho, a CPI identificou que a Samarco, a Vale e a Arcelor Mital foram as principais responsáveis pela poluição da capital capixaba.

No dia 9 de novembro de 2015, o governo do estado de Minas Gerais embargou as atividades da Samarco. No dia 20 de janeiro de 2016, o conselho de administração da Companhia aceitou os pedidos de afastamento de Ricardo Vescovi e Kleber Terra, respectivamente presidente executivo e diretor de operações, sendo que ambos estão entre os indiciados por crime ambiental.

Em 2 de março de 2016, foi assinado um Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) entre a Advocacia Geral da União, o Ministério do Meio Ambiente, os governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo, Samarco, Vale e BHP Billiton. Em 25 de junho de 2018, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), alterando o TTAC inicial e ampliando a participação de atingidos no acordo (houve críticas de que o TTAC não os teria incluído). Também tratado como TAC Governança (TAC Gov), o segundo acordo estabelece, entre outras disposições:

1) Aprimorar a participação das pessoas atingidas no processo de reparação de impactos do rompimento da barragem de Fundão.

2) Extinguir a Ação Civil Pública (ACP) de R$ 20 bilhões, criada pela União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo contra a Samarco, Vale e BHP Billiton, bem como suspender a ACP de R$ 155 bilhões, criada pelo Ministério Público Federal (MPF), durante 24 meses, para renegociar os programas do TTAC, exceto no que tange a alguns pedidos contemplados pelo TAC Gov, que serão extintos.

3) Formalizar a validade do TTAC e estabelecer um processo de renegociação de seus programas nos próximos dois anos.

Após a assinatura do TTAC, foi criada a Fundação Renova, entidade responsável por conduzir diversos programas de reparação, restauração e recuperação socioeconômica e socioambiental das áreas atingidas pela onda de lama egressa da barragem de Fundão. A Renova iniciou suas atividades em agosto de 2016 e seus 42 programas estão distribuídos entre três eixos de atuação:


Os 42 programas a serem implementados pela Renova podem ser acompanhados no site da Fundação e terão 15 anos para finalização. Alguns já se encontram avançados, como os programas emergenciais de contenção de rejeitos e controle de erosão; outros estão em andamento, como o de recuperação de nascentes. Mas existem pendências e a Fundação Renova tem recebido notificações e multas, as quais tem buscado administrar. Exemplifica-se com o caso da área da usina hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga, MG), a qual recebeu rejeitos que, se não forem retirados, poderão contaminar ainda mais o rio Doce.

Com respeito ao programa denominado Ressarcimento e Indenização dos Impactados, acordos de indenizações na esfera civil têm sido feitos. O propósito deste programa específico é ressarcir pessoas, micro e pequenas empresas que tenham sofrido danos materiais, morais ou perdas em suas atividades econômicas, em decorrência do rompimento da barragem de Fundão. A ideia é o ressarcimento rápido e desburocratizado, sem a necessidade de ação judicial e o acompanhamento é feito mensalmente desde setembro de 2016.

Se na esfera cível ações têm sido empreendidas, mesmo com diversos percalços e considerando que as providências se desenvolverão paulatinamente, na esfera criminal, o processo tem sido extremamente lento. A ação penal tem mais de 12 mil páginas e tramita na Justiça Federal, em Ponte Nova (MG). Ainda em primeira instância, o processo está a cargo de um único juiz federal, Jacques Queiroz Ferreira.

Em outubro de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou a Samarco, Vale e BHP Billiton, bem como a empresa de consultoria VogBR, a qual assinou o laudo de estabilidade da barragem de Fundão. Ademais, 22 pessoas, foram denunciadas como criminosas, incluindo o ex-presidente e o ex-diretor de operações da Samarco à época do rompimento da barragem.

O processo, após mais de três anos, já foi atrasado duas vezes. A primeira vez ocorreu em 2017, quando a defesa dos réus questionou provas apresentadas. A segunda se deu em outubro de 2018, após um habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal 1 (TRF1) a favor de um réu. Sobre o segundo evento, o magistrado responsável pelo processo alegou ser necessário aguardar o julgamento do recurso interposto pelo Ministério Público Federal (MPF). Não há prazo para o processo ser encerrado, o que poderá levar anos.

Por sua conta, Samarco, Vale e BHP Billinton contrataram o escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, para apurar as causas do rompimento da barragem de Fundão. Com a participação de especialistas do EUA, Canadá e Brasil, produziram-se as informações técnicas fornecidas no endereço fundaoinvestigation.com.

Por fim, enquanto o caso Mariana tramita, com andamentos na esfera cível e evolução sofrível na esfera criminal, e enquanto muitas famílias tentam reconstruir suas vidas, no dia 25 de janeiro, outra barragem – desta feita, de propriedade da própria Vale – a barragem do Córrego do Feijão, no município de Brumadinho -, se rompeu, com a expectativa de mais de 300 mortes e desaparecimentos. Se com respeito ao meio ambiente o desastre de Mariana é o maior do Brasil, em termos de perdas de vida, o de Brumadinho será mais de 10 vezes maior.