domingo, 28 de julho de 2019

Quando os familiares discordam sobre o futuro da empresa


Situação hipotética

Imagine-se um grupo empresarial hipotético, cujos fundadores e acionistas controladores (majoritários) são os membros integrantes de uma família. Suponha-se que existam sócios não controladores (minoritários), quase sempre alheios às discussões de assuntos relevantes sobre o grupo.

Considere-se ainda que um dos filhos do fundador exerça a presidência executiva e que, além disso, outros membros da família ocupem posições no conselho de administração e na diretoria executiva do grupo empresarial. Imagine-se que os sócios não controladores confiem substancialmente na administração.

Em um dado momento da história corporativa, o presidente executivo concebe planos de expandir o grupo, mas os demais integrantes da família não concordam com a lógica de crescimento proposta, que exigirá a presença de outros sócios não familiares, com poder de veto nas decisões. Sem esses novos sócios, não se obterá o capital exigido para o crescimento.

O desalinhamento e seus custos potenciais

Conforme se percebe no caso acima, existe desalinhamento entre os membros da família – presidente e demais familiares. O principal custo do desalinhamento é o do desperdício da oportunidade de crescimento, se esta for concreta. Exemplificando: se o ingresso de novos sócios e o crescumento aumentarem o valor econômico do grupo em 50%, todos os sócios se beneficiarão. Mas isso implica aos controladores reduzirem, em certa medida, sua participação societária e dividirem a administração, para serem recompensados pela valorização do seu patrimônio remanescente. Mas algumas famílias podem preferir ter um patrimônio menos valioso do que perder o controle absoluto de seu negócio.

Outros custos possíveis decorrentes do desalinhamento em questão dizem respeito à possível paralisia de planos empresariais, em função da indefinição na decisão crescer versus não crescer. Imagine-se, por exemplo, que se a empresa optar por não ter novos sócios, mas desenvolver determinados projetos de investimento, ela possa agregar 10% em seu valor econômico. Se esses planos são adiados sine die, em função do impasse entre os membros da família, os sócios não se apropriam de seus benefícios. E conforme o projeto de investimento, o adiamento dos planos pode ser fatal à sua viabilidade.

Indo além dos custos, outras questões que também fazem pensar

Alguns leitores, em uma avaliação expedita, questionariam de imediato a participação de membros da família em vários postos da administração do grupo empresarial. Esta seria uma boa prática de governança corporativa? A administração não deveria ser profissional, ao invés de fortemente baseada na atuação de membros da família fundadora?

Sim, a administração de uma empresa deve ser profissional, contando ou não com a cooperação de membros da família. Se estes não estiverem preparados para exercerem suas funções, sob sua responsabilidade, a organização terá muito mais riscos do que deveria. Entretanto, outros aspectos podem ser objeto de reflexão neste exemplo hipotético de grupo empresarial, que tem vários familiares envolvidos com o negócio.

Abaixo, apresentamos algumas perguntas que, a nosso ver, fazem sentido com respeito ao comando deste grupo empresarial – incluindo a questão da presença ostensiva dos membros da família na condução do negócio.

1 – Sobre a sustentabilidade do grupo empresarial

É factível que o grupo siga existindo sem o crescimento? Se ele não crescer, resistirá no mercado em que opera ao longo dos anos? Ou poderá ser ultrapassado por concorrentes ou novos entrantes nesse mercado? Esta questão diz respeito à sustentabilidade do negócio nas esferas econômica, social e ambiental, lembrando que as dimensões social e ambiental poderão determinar fortes mudanças no futuro.

2 – Sobre a conexão entre as peças da arquitetura da empresa

A proposta de crescimento do presidente cria uma nova estratégia, que precisa estar conectada com a estrutura, processos & tecnologia, pessoas & cultura e o sistema de recompensas. Em que medida a proposta do presidente entra no mérito desses elementos, explicitando as necessidades vislumbradas? Esta é uma questão que diz respeito à arquitetura organizacional, cujas partes precisam estar conectadas.

3 – Sobre a cúpula que comanda a empresa e a direciona


Os dirigentes têm consciência de que devem resolver a questão de forma colegiada, observando os limites de atuação da diretoria executiva e do conselho de administração, os quais são fóruns bem específicos? Na mesma linha: o presidente executivo tem ciência sobre essas necessidades, ou se comporta, em boa medida, de forma monocrática? Esta também uma questão de arquitetura organizacional, pois o sistema de governança corporativa requer boas práticas no que diz respeito a processos & tecnologia e pessoas & cultura.


4 – Sobre a presença da família e a energização das pessoas


A presença – por vezes até onipresença – de famíliares nos cargos de comando da organização é a melhor alternativa? Em que medida tal presença ajuda e em que medida ela prejudica as decisões? Ela pode desestimular outras pessoas do ambiente corporativo com potencial para ajudar na condução dos negócios? Esta é uma questão – também! – sobre arquitetura organizacional, pois a governança corporativa e a gestão das operações requerem pessoas motivadas e interessadas em perseguir objetivos e metas empresariais, o que implica uma energização geral em prol da construção do futuro.


Conforme se percebe, quando se consideram aspectos mais profundos da governança corporativa e da gestão das operações empresariais, interessantes insights emergem. E eles vão além da presença da família na organização, entrando na órbita do modelo de gestão empresarial e da arquitetura da organização.


Leia também a reflexão abaixo, focada nos sócios não controladores ou minoritários:

Quando os familiares discordam sobre o futuro da empresa (II)

Fonte original do caso:

Orquestra Societária – a origem (Editora Sucesso, 2018)
Maria Aparecida Hess Loures Paranhos e Mônica Mansur Brandão

Mônica Mansur Brandão