domingo, 25 de agosto de 2019

Franquias e franqueados: governança, gestão e riscos (2/2)


Na parte inicial deste artigo – Franquias e franqueados: governança, gestãoe riscos (1/2)discorremos sobre linhas gerais da governança e gestão dos sistemas de franchising, observando que eles se tratam de sistemas de empreendimentos ou sistemas empreendedores, cujo centro de governança e gestão são os franqueadores, o que cria a necessidade de forte atenção aos riscos por candidatos a franqueados.

Neste segundo artigo, contemplamos a questão específica dos riscos de empreender via franchising. Assim sendo, aqui discorremos sobre cinco grandes riscos, não exaustivos, a serem considerados por potenciais franqueados e os quais emergem de nossas conversas com alguns profissionais especializados em direito, administração e finanças, que os consideram pertinentes. Tais riscos são aqui organizados em cinco itens, visando permitir uma visão sistêmica e sintética, para fins deste artigo:

- Risco de empreender.
- Risco de empreender na lógica do franchising.
- Risco do sistema de franchising.
- Risco econômico e financeiro do negócio.
- Risco de governança e gestão da unidade franqueada.

A seguir, são tecidas breve considerações sobre cada item da relação de riscos acima. 

Risco de empreender

Este primeiro grande risco de franchising não tem a ver com atuar ou não como franqueado, mas com querer ou não empreender. Por vezes, pessoas perdem seus empregos, estão indecisas sobre o caminho profissional a seguir ou ambas as alternativas; então, elas decidem se tornar empreendedoras. Entretanto, nem todas as pessoas têm o requerido preparo para realmente entenderem o que significa empreender. E nem todas gostariam de empreender, sabendo o que as espera. Negócios têm riscos e, frequentemente, ser empreendedor requer muito esforço, grande nível de envolvimento, busca contínua de conhecimento e longas jornadas de trabalho. Assim sendo, é desejável que a motivação interna para que o indivíduo se torne um empreendedor seja forte e respaldada em grande conhecimento do que virá à frente.

Risco de empreender na lógica de franchising

O segundo grande risco aqui contemplado também está associado com a decisão de empreender, mas diz respeito a seguir tal caminho considerando um sistema de franchising. Empreender de forma independente é diferente de empreender dentro de um sistema de franquia, uma vez que na primeira situação, o empreendedor tomará decisões por si mesmo, e na segunda, ficará atrelado às regras previstas em instrumentos formais, como a Circular de Oferta de Franquia (COF) e contratos. O segundo modelo de trabalho e as características pessoais do candidato a empreendedor são consistentes entre si? Preferirá a pessoa seguir suas próprias percepções e tomar suas decisões ou terá ela a disciplina para seguir regras criadas por outrem? Esta reflexão é fundamental, pois administrar um negócio sem sintonia pessoal com os seus fundamentos pode ser desastroso.

Risco do sistema de franchising

O terceiro grande risco comentado é o do sistema de franchising propriamente dito, compreendendo o franqueador, as unidades franqueadas no mercado, os instrumentos para regular os relacionamentos franqueador-franqueados – Circular de Oferta de Franquia (COF) e contratos associados –, outros instrumentos de governança e gestão porventura utilizados (ou não) e, em suma, o conjunto da obra. Nesse sentido, algumas perguntas podem e devem ser feitas, como por exemplo, de forma não exaustiva:

1) Quem é o franqueador? Quais são as informações disponíveis sobre o mesmo? Onde fica sua sede e qual é a impressão que se tem ao visitá-la? 

2) O franqueador tem uma marca realmente forte no mercado? Por quê? Qual é a sua reputação? Por quê? Quem qualifica sua marca e reputação?

3) Como outras unidades franqueadas percebem o franqueador? Elas entendem que ele orienta e dá bom suporte às unidades franqueadas? 

4) Como as unidades da rede se comportam no dia a dia? Como observar esse comportamento de uma forma estruturada? Quais unidades vale a pena e é possível observar?

5) Como pode ser avaliado o conteúdo da Circular de Oferta de Franquia (COF)? E dos contratos associados ao sistema de franchising que se analisa? Quais são suas regras críticas? Quais são os riscos presentes nesses instrumentos?

6) Além da COF e dos contratos, quais são os demais instrumentos de governança corporativa do sistema de franchising? Existem instrumentos como conselho de franqueados, auditoria externa do sistema, relatórios de sustentabilidade econômica, social e ambiental, mecanismos razoáveis de saída de franqueados da rede e outros? Tais mecanismos são realmente praticados?

7) Independentemente da observação de unidades franqueadas no mercado, como pode ser avaliado o modelo de negócio percebido na redação da Circular de Oferta de Franquia (COF) e nos contratos associados ao sistema de franchising que se analisa? Como o franqueador ganha dinheiro? Como os franqueados ganham dinheiro?

8) O franqueador pode autorizar outras unidades franqueadas próximas daquela do empreendedor, criando concorrência indesejável dentro da própria rede de franchising?

9) O franqueador, tende a ser, na prática, um bom franqueador? Por que? Em função de quais fatores?

10) O negócio tende a ser, na prática, vencedor sob o prisma econômico (será valioso) e financeiro (com baixa probabilidade de descumprir compromissos de pagmentos)? Por que? Em função de quais fatores?

11) O sistema de franchising tende a ser, na prática, realmente robusto e confiável?

12) Com base em cada uma das respostas acima, por que mesmo o candidato a franqueado deveria integrar o sistema de franquia? Qual é a lista de pontos positivos? E por que ele não deveria investir? Qual é a lista de pontos negativos? Quais desses pontos positivos e negativos têm maiores pesos para o candidato a empreendedor?

A relação acima, sem esgotar as possibilidades de outras perguntas, permite que o candidato a empreendedor perceba que é preciso pesquisar e refletir em profundidade sobre o sistema de franchising objeto de sua atenção.

Risco econômico-financeiro do negócio

O quarto grande risco aqui mencionado é o econômico-financeiro do negócio que se considera e constitui-se em um desdobramento de uma das questões do risco do sistema de franchising (item 10). O aspecto econômico, neste artigo, diz respeito à viabilidade do negócio, ao seu valor econômico ou intrínseco; o aspecto financeiro, por seu turno, se refere à capacidade de honrar compromissos com o franqueador, empregados, fornecedores e outros públicos stakeholders.

Sobre os aspectos econômicos e financeiros, franquias devem ser mais do que apenas um bom negócio, elas devem ser um sucesso, conforme dito anteriormente. Supondo-se que as necessidades dos clientes sejam atendidas quanto a produtos e serviços, a unidade franqueada terá que gerar receita, lucro e retorno econômico sobre o investimento. Uma franquia-sucesso, vencedora, precisará gerar movimento de consumidores (visualmente constatável, de preferência) e fluxos de caixa que cubram as despesas e, com o excedente, paguem o investimento realizado e outros a realizar, com um retorno adequado aos riscos do negócio.

Assim, antes de tomar sua decisão, o candidato a franqueado precisa avaliar o “Projeto Franquia”, com o apoio de especialistas em finanças. Será preciso calcular, para esse “Projeto”, seu retorno econômico, por meio de variáveis clássicas como o Valor Presente Líquido (VPL), a Taxa Interna de Retorno (TIR) e a Relação Benefício-Custo (RBC). Nesse contexto, o empreendedor que perdeu seu emprego e tem a pretensão de investir em uma franquia com suas verbas de rescisão de contrato de trabalho, bem como pessoas profissionalmente indecisas sobre o rumo de suas vidas profissionais, precisam se cercar de especiais cuidados: decisões sem boa fundamentação técnica e baseadas apenas em emoções podem ter alto custo.

Já sob o aspecto financeiro, é preciso que seja feita uma análise criteriosa do pagamento de compromissos e do capital de giro necessário para que tais obrigações sejam cumpridas, sem que a unidade franqueada precise deixar de existir por inadimplência e, por vezes, sacrificando bens do empreendedor e/ou de sua família. Lembrando que em seus primórdios, negócios podem gerar poucas receitas, mas os compromissos seguirão existindo; além disso, conforme o negócio, se a economia estiver em momento difícil, as receitas também decrescerão, mas – novamente! – os compromissos permanecerão.

Com base no exposto, é preciso grande atenção aos custos fixos e eles podem ser significativos, especialmente compromissos financeiros com franqueadores, fixados contratualmente e rígidos. Outro ponto crítico é o tempo de espera para que as receitas ultrapassem as despesas, de maneira a rentabilizar os investimentos. Qual tem sido o tempo de espera de outras unidades, conforme sua localização geográfica? O investimento inicial em capital de giro suportará a espera? Financiamentos bancários têm elevados juros no Brasil; será preciso recorrer a eles para esperar a receita entrar no caixa com força? Se positivo, isto não prejudicará as finanças da unidade franqueada, inviabilizando-a?

Risco de governança e gestão

O quinto e último grande risco objeto deste artigo é o da governança e gestão da unidade franqueada propriamente dita e o que aqui se identifica vale para empreendimentos abrigados sob um centro de poder, de modo geral. Uma vez tomada a decisão de conduzir um empreendimento, o empreendedor será parte da estratégia de um sistema empreendedor maior do que ele, uma espécie de estratégia corporativa de crescimento, na qual o seu papel será o de operacionalizar diretrizes emanadas a partir do franqueador, executando uma estratégia específica de eficiência operacional em sua unidade franqueada. Dito de outra forma, não é o franqueado quem determina a estratégia do sistema; no máximo, cuidará das diretrizes estratégicas para sua unidade.

Adicionalmente, o empreendedor, em sua unidade franqueada, terá que lidar com práticas para tratar temas como processos & tecnologia, pessoas & cultura e sistemas de recompensas entre outros. Se ele não estiver firmemente disposto a se inteirar sobre os conceitos de que necessita para administrar, a se reciclar periodicamente, é recomendável que repense se deve empreender e essa consideração se aplica integralmente ao caso de uma unidade franqueada ou de outro empreendimento.

Em suma

Se a avaliação dos riscos percebidos não trouxer respostas convincentes a quem decide, será prudente não assumir tais riscos. Tornar-se franqueado não é algo trivial e que se decide sem esforço, requerendo estudo, análise, ajuda de especialistas, reflexão, decisão e após o fechamento de contratos (se eles forem fechados, afinal), disciplina e muito, muito trabalho, que, aliás, pode ser gratificante, mas é preciso análise prévia em profundidade.

Links e sites sugeridos:






Importante: A L13966 (planalto.gov.br) substituiu a Lei acima citada no artigo acima.


Mônica Mansur Brandão