quarta-feira, 7 de agosto de 2019

MP da Liberdade Econômica, o sistema econômico e a governança corporativa (1/2)


A Medida Provisória 881, de 30 de abril de 2019, editada pelo Poder Executivo com vistas a ampliar a liberdade das atividades econômicas desenvolvidas no Brasil, aprovada por uma comissão mista do Congresso e à espera de sua discussão por todos os integrantes do Poder Legislativo, necessita ser bem compreendida, dadas as suas possíveis implicações na economia nacional e na governança das sociedades por ações.

A MP em questão tem sido objeto de avaliações positivas e negativas, as quais são resumidas neste artigo. Em linhas gerais, segundo seus defensores, a MP cria maior segurança jurídica para empreendedores, reduz o nível de burocratização, ao eliminar exigências cartoriais desnecessárias ao desenvolvimento econômico, estimula o empreendedorismo e a atividade econômica, ao reduzir a intervenção do estado na economia, e favorece a entrada de novos agentes nos setores econômicos e a competição, em benefício dos cidadãos e consumidores.

Já segundo seus críticos, a MP seria desnecessária, pois a iniciativa privada é um dos fundamentos econômicos da Constituição Federal brasileira (1988); ademais, em sua visão, a MP liberaliza o empreendedorismo excessivamente, confunde burocratização com regulamentação, enfraquece perigosamente a regulamentação e cria riscos à garantia da qualidade e segurança de produtos e serviços, à proteção de consumidores e à promoção do desenvolvimento econômico de forma sustentável. Críticos também entendem que a MP enfraquece o Poder Legislativo e não está sendo discutida no nível que seria necessário com a sociedade.

Diante de um quadro de dúvidas e de argumentos que fazem sentido, de otimistas e pessimistas em relação à MP 881/2019, tomamos a liberdade de ler detalhadamente esta MP, anotando as percepções de lacunas e aspectos não compreendidos, visando trazer aos leitores a nossa percepção pessoal. Destacamos que as considerações apresentadas neste artigo se referem ao conteúdo e entendimento do texto publicado no Diário Oficial da União (DOU), sem adentrar nos aspectos jurídicos, que requerem especialistas em vários campos do Direito.

O que percebemos em nossa leitura da MP 881/2019? Primeiramente, entendemos como positivo e válido o espírito geral da MP, mesmo estando o conceito de iniciativa privada contemplado na Constituição Federal do Brasil. A ideia de fortalecer empreendedores é muito importante, na medida em que isso ajudar a fortalecer as atividades econômicas, gerando riqueza, trabalho e empregos. Também entendemos que toda a simplificação burocrática que puder ajudar empreendedores brasileiros a tornarem seus sonhos realidade pode e deve ser buscada, sem prejuízo dos cidadãos e consumidores.

Ao mesmo tempo, questionamos seis pontos não exaustivos que nos parecem muito relevantes, a partir de nossa leitura da MP (priorizamos os mesmos para não tornar o artigo por demais extenso). O primeiro ponto de preocupação é que o texto proposto pelo Poder Executivo procura explicitar direitos associados à liberdade econômica, mas é omisso com respeito aos deveres associados à citada liberdade. Se há direitos, faz sentido supor que existem deveres, os quais não são abordados. Não deveriam? E  a necessidade de comprometimento com as boas práticas de governança corporativa e a sustentabilidade?  E o comprometimento com os stakeholders? O exercício da liberdade requer responsabilidades econômicas, sociais e ambientais.

O segundo questionamento se refere ao pressuposto da boa fé de empreendedores, contemplada nos artigos 2 (como princípio) e 3 (como direito de reconhecimento). Se assumir a presunção de boa fé de empreendimentos melhor protegeria a sociedade e os cidadãos, por que leis que versam sobre os citados empreendimentos são coercitivas e, não, orientativas? A prática da boa fé associada ao respeito da cidadania é necessária em sociedades saudáveis, mas impede a proteção ex ante de cidadãos e seus direitos face aos empreendimentos da economia e suas externalidades negativas (efeitos nefastos de suas decisões sobre terceiros)? Adicionalmente, e quanto à proteção de outros empreendimentos que podem ser prejudicados pelas citadas externalidades? Não faz sentido indagar?

Nosso terceiro questionamento está relacionado com as entidades reguladoras (especialmente com base na leitura do artigo 5) e, nesse sentido, temos a percepção de risco de seu enfraquecimento com a MP, concordando com seus críticos pessimistas. O estado e as entidades reguladoras a ele subordinadas são fundamentais quando se necessitam de leis e regulamentos, como é o caso dos setores de saúde, infraestrutura e dos mercados financeiro e de capitais, apenas para citar. Vale lembrar que deficiências de regulamentação e legais no mercado de capitais dos EUA culminaram na criação da Securities Exchange Comission, a SEC (1934), após a grave crise econômica de 1929, bem como na Lei Sarbanes-Oxley (2002), no bojo de grandes escândalos de governança corporativa ocorridos dos anos noventa ao início do novo milênio. Como negar?

O quarto ponto questionado diz respeito a dúvidas sobre alguns conceitos apresentados no texto da MP, tais como “intervenção subsidiária mínima e excepcional do estado” (artigo 2), “atividade econômica de baixo risco” (artigo 3) e “custos de transação” (artigo 4 – seria este conceito aquele definido pelo professor Ronalde Coase, no artigo The nature of the firm, escrito em 1937?). A nosso ver, seria importante a MP ter deixado claros esses conceitos, em favor dos não especialistas em Direito e, muito especialmente, em Direito Econômico.

O quinto tópico aqui apontado como ponto de grande atenção da MP 881/2019 se refere às modificações que esta cria em vários instrumentos legais, conforme quadro seguinte:


Sobre essas alterações, a pergunta que se apresenta é: quais são implicações práticas das mudanças? Em que elas afetam os empreendedores e a sociedade? Estas são perguntas que precisam ser respondidas.

Como sexto tema de preocupação apresentado neste artigo, mencionamos o risco de enfraquecimento do mercado de capitais nacional, especialmente no que concerne aos direitos dos sócios não controladores ou minoritários. Como este tema será focalizado na continuação deste artigo, não nos estenderemos aqui sobre o mesmo.

Continua no artigo


Leituras sugeridas:



Mônica Mansur Brandão