A
Medida Provisória 881, de 30 de abril de 2019, editada pelo Poder Executivo com
vistas a ampliar a liberdade das atividades econômicas desenvolvidas no Brasil,
aprovada por uma comissão mista do Congresso e à espera de sua discussão por
todos os integrantes do Poder Legislativo, necessita ser bem compreendida,
dadas as suas possíveis implicações na economia nacional e na governança das
sociedades por ações.
A MP em
questão tem sido objeto de avaliações positivas e negativas, as quais são
resumidas neste artigo. Em linhas gerais, segundo seus defensores, a MP cria
maior segurança jurídica para empreendedores, reduz o nível de burocratização,
ao eliminar exigências cartoriais desnecessárias ao desenvolvimento econômico, estimula
o empreendedorismo e a atividade econômica, ao reduzir a intervenção do estado
na economia, e favorece a entrada de novos agentes nos setores econômicos e a
competição, em benefício dos cidadãos e consumidores.
Já
segundo seus críticos, a MP seria desnecessária, pois a iniciativa privada é um
dos fundamentos econômicos da Constituição Federal brasileira (1988); ademais,
em sua visão, a MP liberaliza o empreendedorismo excessivamente, confunde
burocratização com regulamentação, enfraquece perigosamente a regulamentação e
cria riscos à garantia da qualidade e segurança de produtos e serviços, à
proteção de consumidores e à promoção do desenvolvimento econômico de forma
sustentável. Críticos também entendem que a MP enfraquece o Poder Legislativo e
não está sendo discutida no nível que seria necessário com a sociedade.
Diante
de um quadro de dúvidas e de argumentos que fazem sentido, de otimistas e
pessimistas em relação à MP 881/2019, tomamos a liberdade de ler detalhadamente
esta MP, anotando as percepções de lacunas e aspectos não compreendidos,
visando trazer aos leitores a nossa percepção pessoal. Destacamos que as
considerações apresentadas neste artigo se referem ao conteúdo e entendimento do
texto publicado no Diário Oficial da União (DOU), sem adentrar nos aspectos jurídicos, que requerem especialistas em
vários campos do Direito.
O que
percebemos em nossa leitura da MP 881/2019? Primeiramente, entendemos como
positivo e válido o espírito geral da
MP, mesmo estando o conceito de iniciativa privada contemplado na Constituição
Federal do Brasil. A ideia de fortalecer empreendedores é muito importante, na
medida em que isso ajudar a fortalecer as atividades econômicas, gerando
riqueza, trabalho e empregos. Também entendemos que toda a simplificação
burocrática que puder ajudar empreendedores brasileiros a tornarem seus sonhos
realidade pode e deve ser buscada, sem prejuízo dos cidadãos e consumidores.
Ao
mesmo tempo, questionamos seis pontos não exaustivos que nos parecem muito
relevantes, a partir de nossa leitura da MP (priorizamos os mesmos para não
tornar o artigo por demais extenso). O primeiro ponto de preocupação é que o
texto proposto pelo Poder Executivo procura explicitar direitos associados
à liberdade econômica, mas é omisso com respeito aos deveres associados
à citada liberdade. Se há direitos, faz sentido supor que existem deveres, os
quais não são abordados. Não deveriam? E a necessidade de comprometimento com as boas práticas de governança corporativa e a sustentabilidade? E o comprometimento com os stakeholders? O exercício da liberdade requer responsabilidades
econômicas, sociais e ambientais.
O
segundo questionamento se refere ao pressuposto da boa fé de empreendedores,
contemplada nos artigos 2 (como princípio) e 3 (como direito de reconhecimento). Se assumir a presunção de boa fé de empreendimentos melhor protegeria a sociedade e os cidadãos, por que leis que versam sobre os citados empreendimentos são coercitivas e,
não, orientativas? A prática da boa fé associada ao respeito da cidadania é necessária em sociedades saudáveis, mas impede a proteção ex ante de cidadãos e seus direitos face aos empreendimentos da economia e suas externalidades negativas (efeitos nefastos de suas decisões sobre terceiros)? Adicionalmente, e quanto à proteção de outros empreendimentos que podem ser prejudicados pelas citadas externalidades? Não faz sentido indagar?
Nosso
terceiro questionamento está relacionado com as entidades reguladoras (especialmente com base na leitura do artigo 5) e, nesse sentido, temos a percepção de risco de
seu enfraquecimento com a MP, concordando com seus críticos pessimistas. O estado
e as entidades reguladoras a ele subordinadas são fundamentais quando se necessitam
de leis e regulamentos, como é o caso dos setores de saúde, infraestrutura e
dos mercados financeiro e de capitais, apenas para citar. Vale lembrar que deficiências
de regulamentação e legais no mercado de capitais dos EUA culminaram na criação
da Securities Exchange Comission, a SEC (1934), após a grave crise econômica de
1929, bem como na Lei Sarbanes-Oxley (2002), no bojo de grandes escândalos de
governança corporativa ocorridos dos anos noventa ao início do novo milênio.
Como negar?
O
quarto ponto questionado diz respeito a dúvidas sobre alguns conceitos
apresentados no texto da MP, tais como “intervenção subsidiária mínima e
excepcional do estado” (artigo 2), “atividade econômica de baixo risco” (artigo
3) e “custos de transação” (artigo 4 – seria este conceito aquele definido pelo
professor Ronalde Coase, no artigo The
nature of the firm, escrito em 1937?). A nosso ver, seria importante a MP ter deixado claros esses conceitos, em favor dos não especialistas em Direito e,
muito especialmente, em Direito Econômico.
O quinto
tópico aqui apontado como ponto de grande atenção da MP 881/2019 se refere às
modificações que esta cria em vários instrumentos legais, conforme quadro
seguinte:
Sobre essas
alterações, a pergunta que se apresenta é: quais são implicações práticas das mudanças?
Em que elas afetam os empreendedores e a sociedade? Estas são perguntas que
precisam ser respondidas.
Como
sexto tema de preocupação apresentado neste artigo, mencionamos o risco de enfraquecimento
do mercado de capitais nacional, especialmente no que concerne aos direitos dos
sócios não controladores ou minoritários. Como este tema será focalizado na continuação
deste artigo, não nos estenderemos aqui sobre o mesmo.
Continua
no artigo
Leituras
sugeridas:
Mônica Mansur Brandão