No artigo
MP da Liberdade Econômica e reflexões sobre o sistema econômico e a governança corporativa (1/2), levantamos vários
pontos de dúvida sobre a referida MP (881, de 30 de abril de 2019) e
explicitamos um conjunto de seis pontos não exaustivos que nos pareceram mais relevantes.
Assim sendo, recomendamos aos leitores a leitura prévia deste primeiro artigo.
Esta
continuação versa sobre a questão específica dos sócios minoritários de uma
sociedade por ações, à luz da MP 881. Antes, porém, de entrarmos na questão,
sugerimos aos leitores uma visita ao artigo denominado Quais são as estruturas de governança do capitalismo?, no qual
apontamos, com base nas ideias de alguns pensadores, que o capitalismo tem
várias estruturas de governança, cada qual com seus méritos e deméritos. As
empresas e o estado são duas das mais importantes dessas estruturas. Favorecer o
empreendedorismo nas empresas é algo altamente desejável, em benefício da
criação de riqueza, trabalho e emprego; também é altamente desejável que estado
não perca e mesmo reforce funções críticas para o bom funcionamento do sistema
econômico.
Feitas
estas considerações iniciais, passemos à questão dos minoritários, observando
que a proteção dos seus direitos é fundamental para fortalecer os mercados de
capitais em qualquer parte do Planeta. Segundo informa o jornal Valor Econômico
(Grupo da OAB propõe novo texto ao artigo
115 da Lei das SA, 2/8), a comissão especial de direito societário da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional pretende agregar, ao texto da MP 881,
uma nova redação no artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas (no
6.404, de 15/12/1976), cuja explicitação atual é a seguinte:
O acionista
deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros
acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e
de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros
acionistas.
Sem a novidade proposta pela
comissão da OAB, a interpretação do artigo 115, reforçado por parecer da
Comissão de Valores Mobiliários (CVC), privilegia o entendimento de que se o
acionista estiver em situação de conflito de interesses em uma dada matéria a
ser votada, ele não deverá votar. Com a mudança de regra, ele poderá votar, mas
eventualmente ter o seu voto contestado a
posteriori, se necessário.
Segundo a matéria citada, se a MP
881 for aprovada com a novidade apresentada pela comissão da OAB, o acionista
controlador ou qualquer outro acionista poderá votar uma dada matéria com base
no princípio da boa fé, que desponta no texto da MP, especialmente em seus
artigo 2 e 3. Se, contudo, após tal voto, se descobrir que houve má fé, este
poderá ser anulado, o que poderá afetar operações de fusões, aquisições,
incorporações e restruturações societárias nas sociedades por ações.
Qual será a implicação da
novidade proposta pela OAB em relação aos sócios não controladores
(minoritários)?
Em nossa percepção, os sócios
minoritários das sociedades anônimas ficarão desprotegidos, haja vista que sócios
controladores, com poder de decidir mesmo sem o voto dos primeiros, poderão
votar com base na presunção de boa fé. Aos minoritários, restará ingressar no
Poder Judiciário ou na Câmara de Arbitragem do Mercado da B3 (apenas no caso de
companhias listadas no Novo Mercado ou no Nível 2 de Governança Corporativa). Se
os minoritários tiverem que recorrer ao Poder Judiciário, o custo certamente
será elevado e o processo poderá demorar alguns anos para chegar ao dito trânsito
em julgado.
Assim sendo, a nosso ver, a ideia
de inserir a alteração no artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas não
favorece o fortalecimento do mercado de capitais nacional, por não ser
favorável à proteção dos sócios não controladores (minoritários). Se a MP 881 agregar esta alteração, sem criar algum mecanismo de
compensação que proteja esses agentes, pode-se esperar demandas dos mesmos em
relação a votos proferidos, ao lado da possível desvalorização do preço das
ações de parte das companhias listadas em bolsa de valores. E pode-se esperar piora
na governança das sociedades anônimas, criada por regras do jogo desfavoráveis
aos pequenos sócios.
Defendemos o fortalecimento do mercado de capitais nacional, um
dos instrumentos mais importantes de financiamento da economia de um país. Será
lamentável se a MP da Liberdade Econômica, cuja ideia de reforçar o empreendedorismo
é altamente válida, contribuir para penalizar os acionistas não controladores,
piorando a governança corporativa, enfraquecendo o mercado e, de forma nem
sempre óbvia para uma parte dos agentes econômicos, aumentando o custo de
capital de empresas, o que colide com a própria ideia de estimular o
empreendedorismo.
Leituras
sugeridas:
Adendo:
A Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, decorrente do texto da MP da Liberdade Econômica e das alterações sofridas pode ser acessada aqui. Tal instrumento é tratado como Lei da Liberdade Econômica.
Mônica Mansur Brandão