No mês de agosto, a convite do
Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, o professor de
economia Christopher Lingle, dos EUA, esteve no Brasil e foi entrevistado pelo
jornal de Folha de São Paulo (Brasil
deveria doar estatais para acelerar privatização, diz professor,
22/8).
O professor Lingle é doutor em
economia pela Universidade da Geórgia, sendo conhecido como liberal e crítico
da regulamentação de mercados. Há cerca de 22 anos, ele publicou o livro Ascensão e Declínio do Século Asiático
(1997), em que apontava os riscos e fragilidades do modelo econômico adotado por
várias economias da Ásia, fortemente baseado em exportações. A famosa crise asiática, ocorrida após o trabalho
ser publicado, confirmou suas previsões.
Na entrevista concedida à Folha
de São Paulo, realizada pelo jornalista Fábio Zanini, Christopher Lingle
alertou sobre os riscos do estouro de uma gigantesca bolha de crédito, criada,
segundo ele, por presidentes de bancos centrais. Na visão do professor, esta
possível bolha, estimada em US$ 15 trilhões, poderá estourar amanhã ou daqui a
alguns anos, o que será uma catástrofe para o capitalismo, em âmbito global.
Sobre privatizações
Sem deixar de reconhecer como
preocupante o risco da gigantesca bolha, supracitado (este risco vem sendo apontado
por outros economistas e com outros enfoques), chamaram-nos a atenção as
respostas dadas pelo professor Christopher Lingle às perguntas feitas pelo jornalista
Fábio Zanini sobre privatizações de empresas estatais no Brasil. Apresentamos a seguir as perguntas feitas e
uma tentativa de síntese das respostas respectivas:
-------
FSP - O sr. defende que melhor que
privatizar empresas seria doá-las. Poderia explicar melhor? Como isso ocorreria
na prática?
CL – Síntese abaixo:
Privatização faz sentido porque ativa capital morto.
O problema com o Estado tentar vender ativos é que está sempre
esperando os melhores preços, porque acredita que o aspecto importante é a
receita. Na verdade, o benefício da privatização é a transferência da
propriedade pública para privada.
O jeito mais fácil de fazer isso é doar. Poderia ser feito por meio de
uma loteria. Faz-se um sorteio na TV e alguém fica com o palácio presidencial,
por exemplo.
FSP - Não seria errado dar
patrimônio público assim de graça?
CL - Corretores e intermediários entendem como essas coisas operam. Vão
até essas pessoas e dizem: vou vender ou alugar esse bem em seu nome. E você
vai receber uma renda baseada nisso. Você não está dando de graça, está dando a
pessoas que pagaram imposto e contribuíram com trabalho para que esses ativos
fossem construídos.
(O professor ainda cita o exemplo da Rússia, onde ativos estatais foram
transferidos para indivíduos privados. Questionado pelo jornalista Fábio Zanini
sobre as denúncias de corrupção do processo de privatização na Rússia, Christopher
Lingle citou a corrupção na Petrobrás.)
-------
Breves reflexões
Façamos aqui algumas
considerações sobre as respostas do professor Christopher Lingle à Folha de São
Paulo, no que tange à privatização de estatais, sob o prisma de boas práticas
de governança corporativa.
Consideremos o exemplo hipotético
de uma empresa, com valor econômico positivo e significativo, ou seja, ela não pode
ser considerada capital morto. Imaginemos
que os sócios dessa empresa contratem uma administração profissional para cuidar
de seu negócio.
Neste exemplo hipotético, e sem entrar
no mérito jurídico do que é ou não possível fazer em nosso País, indagamos: seria ético, seria razoável os
administradores contratados pelos sócios doarem seu patrimônio a outro agente? Seria
correto esses administradores espoliarem os sócios originais em benefício de
outrem, ainda que sob a suposição de que isto
seria o melhor para todos?
Quem são os sócios das empresas
estatais representados em sua administração por profissionais indicados pelo Poder
Executivo? São os cidadãos de um estado ou do País, conforme o controle da
empresa. Eles são cidadãos e sócios.
A nosso ver, não existe qualquer justificativa, sob nenhum ponto de vista, que justifique doar o patrimônio de um grupo de cidadãos e sócios (amplo, diga-se de passagem, no caso de estatais) a outra pessoa ou grupo à revelia das primeiras e sem a justa compensação. Esta seria essa uma péssima – ou inimaginável – prática de governança corporativa. Haveria ética nesta prática?
A proposta do professor Lingle corresponderia a levar o conflito de agência (o conflito clássico entre quem delega poderes e quem delegou) em estatais privatizáveis a um patamar que não faz sentido.
A nosso ver, não existe qualquer justificativa, sob nenhum ponto de vista, que justifique doar o patrimônio de um grupo de cidadãos e sócios (amplo, diga-se de passagem, no caso de estatais) a outra pessoa ou grupo à revelia das primeiras e sem a justa compensação. Esta seria essa uma péssima – ou inimaginável – prática de governança corporativa. Haveria ética nesta prática?
A proposta do professor Lingle corresponderia a levar o conflito de agência (o conflito clássico entre quem delega poderes e quem delegou) em estatais privatizáveis a um patamar que não faz sentido.
O professor Christopher Lingle ainda
menciona a venda de ativos pelo estado: ele espera os melhores
preços de venda e isto seria um problema. Ora, não é recomendável e lícito a quem vende um ativo buscar vendê-lo
ao melhor preço possível? Ou isto é algo errado?
Por fim, com respeito à loteria
proposta pelo professor Lingle, resta a dúvida sobre quem seria elegível para
participar de sorteios.
Continua em
Mônica Mansur Brandão
Leitura sugerida:
Leitura sugerida: