segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Doar estatais ao invés de privatizar? Não priorizar a desigualdade? (2/2)


No post Doar estatais ao invés de privatizar? Não priorizar a desigualdade? (1/2), apresentamos uma reflexão referente às propostas do professor de economia Christopher Lingle para a privatização de empresas estatais no Brasil, reveladas em entrevista ao repórter Fábio Zanini, da Folha de São Paulo (Brasil deveria doar estatais para acelerar privatização, diz professor, 22/8).

Neste segundo post, focalizamos a resposta do professor Lingle à pergunta de Fábio Zanini sobre a importante questão da desigualdade. Consideremos, inicialmente, o texto publicado pela Folha, abrangendo a pergunta feita e a resposta de Christopher Lingle:

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FSP - O combate à desigualdade deve ser uma prioridade?

CL - Desigualdade de renda e de riqueza não são problemas econômicos, mas temas políticos. Políticos usam isso para dizer que tirar de um grupo e dar para outro satisfaz a justiça. Tirar de um grupo é por si só uma injustiça. Dar para outro grupo é injusto porque é arbitrário. Revoluções nunca ocorreram por causa de desigualdade. Os reis perdiam a cabeça porque eram muito poderosos. Os políticos repetem que desigualdade é socialmente instável. Não, a verdadeira causa de instabilidade é poder político arbitrário.

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Primeiramente, concordamos com a primeira frase. A nosso ver, a forte desigualdade existente em amplas e variadas regiões do Planeta ainda parece ser uma opção política dos dirigentes das nações e das forças que mais os influenciam, não necessariamente representativas dos interesses do conjunto dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, o professor Lingle afirma que tirar de um grupo é por si só uma injustiça. Dar para outro grupo é injusto porque é arbitrário. Ora, na parte da entrevista concedida à Folha de São Paulo sobre a privatização, o próprio professor sugere que se doem estatais a agentes privados, via loteria, de maneira que sua propriedade seja transferida de um amplo grupo de pessoas para um restrito grupo (que, aliás, precisaria ser qualificado), sem qualquer pagamento às primeiras. Isto não parece contraditório? Não seria injusto e arbitrário, com ou sem loteria? Não seria incoerência?

Tampouco concordamos que a forte desigualdade social não seja um fator de instabilidade, notadamente em mundo em que as comunicações nunca foram tão intensas. Ademais, acreditamos que a desigualdade desmedida é uma das mais importantes prioridades planetárias, pois estamos tratando de seres humanos e o ser humano precisa ser considerado prioridade. Esta é uma escolha ética, inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Agenda 2030: o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) desta Agenda é erradicar a miséria no Planeta.

O professor Christopher Lingle certamente terá grandes méritos em suas análises macroeconômicas, mas, gentil e respeitosamente, não concordamos com a visão expressa em suas respostas relacionadas a privatizações de estatais e à desigualdade, em entrevista concedida à Folha de São Paulo em agosto deste ano. Impossível concordar.

Mônica Mansur Brandão

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