sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A boa regulação e a liberdade econômica (1/2)


As agências reguladoras de serviços públicos, que emergiram no Brasil especialmente a partir de privatizações ocorridas em setores de infraestrutura, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entre outras, são entidades muito importantes para que empresas por elas reguladas prestem bons serviços à sociedade, com modicidade de preços e, ao mesmo tempo, remunerando investimentos realizados.

Quais são os principais requisitos esperados na atuação das boas agências reguladoras?

Em que a Lei da Liberdade Econômica (13.874, de 20 de setembro de 2019) pode afetar o trabalho das agências?

Buscando responder inicialmente à primeira pergunta anterior, elencamos aqui cinco requisitos que, sem esgotar as possibilidades, a nosso ver, determinam em grande medida a qualidade do trabalho de uma agência reguladora genérica. 

1 – Clareza quanto ao papel da agência

O papel de uma agência reguladora não deve ser confundido com o papel de extensão ou braço do Poder Executivo. A este segundo cabe, de forma mais ampla e resumida, o desenho e a execução de políticas públicas, bem como a elaboração de propostas de mudanças nas regras do jogo, visando melhorar a administração pública.

Às agências reguladoras cabe, com base no arcabouço constitucional e legal e em políticas traçadas, estabelecer suas próprias regras, dentro dos limites de suas respectivas competências, buscando o equilíbrio de interesses entre os agentes setoriais e fiscalizando a administração dos prestadores de serviços quanto ao cumprimento dos ditames regulatórios.

Agências reguladoras estão submetidas ao Poder Executivo, mas não podem ser capturadas por interesses políticos específicos, os quais não beneficiam o setor regulado como um todo.

2 – Equilíbrio entre os interesses dos agentes

Agências reguladoras devem buscar o equilíbrio entre os interesses da sociedade, dos investidores e do Poder Executivo, às quais estas se subordinam.

O viés em prol de prestadores de serviços é indesejável, pois isso corresponde a privilegiar os detentores do capital, em detrimento da sociedade, que necessita de padrões mínimos de qualidade dos serviços e de preços razoáveis.

Já o viés em prol da sociedade, no sentido de exigências injustas e socialmente não fundamentadas, também é negativo, diferentemente do que muitos podem pensar, pois pode desestimular investimentos, o que, em um segundo momento, implica a deterioração dos serviços prestados.

Quanto ao viés em prol do Poder Executivo, este também não interessa ao setor econômico regulado, pois os papeis desse Poder e das agências reguladoras são substancialmente distintos, conforme dito no item 1.

Agências reguladoras não são procons, sindicatos patronais ou meras extensões/braços operacionais do Poder Executivo. Seu trabalho deve servir aos interesses dessas três partes, sendo bem mais complexo.

3 – Equilíbrio entre estabilidade e dinamismo das regras regulatórias 

Destacamos, neste artigo, a importância do equilíbrio entre estabilidade e dinamismo das regras regulatórias.

Quem investe o seu capital tende a ser, via de regra, avesso a regras do jogo que mudam continuamente, pois isso aumenta substancialmente a percepção sobre os riscos incorridos – na verdade, aumenta os próprios riscos.

Ao mesmo tempo, a regulamentação publicada pelas agências reguladoras tem um dinamismo próprio, cuja manutenção é saudável e necessária à evolução do setor regulado, à melhoria das regras do jogo. É preciso bom senso nas mudanças regulatórias e quando estas são bem equilibradas entre estabilidade e dinamismo, o regulador é percebido de forma positiva.

Agências reguladoras devem promover a evolução das regras do jogo, com bom senso e evitando ampliar os riscos do setor regulado. Novas regras devem melhorar o setor, tornando-o menos arriscado para os agentes.

4 – Bom desempenho operacional

Como quarto aspecto aqui destacado, mencionamos o desempenho das agências reguladoras. Como todas as organizações de uma economia capitalista, as agências reguladoras precisam de mecanismos de avaliação e controle para medir e calibrar sua eficiência.

O ponto de atenção em relação ao dito anteriormente é que é preciso que essas agências tenham efetivas condições de trabalho, com recursos para desempenhar o seu papel. Não faz sentido cobrar desempenho além daquele possível com os recursos financeiros disponíveis.

Cobrar dos agentes setoriais taxas de fiscalização adequadas e justas ao bom desempenho da entidade reguladora é absolutamente necessário. Às agências, por seu turno, cabe gerir esses recursos com probidade e eficiência, dentro de suas respectivas esferas de atuação.

Adicionalmente, é preciso ter em mente que a eficiência das agências reguladoras poderá ser afetada por fatores exógenos à sua esfera de atuação, como por exemplo, as condições mais amplas da economia, a judicialização de questões que impactem o seu trabalho, por elas não criadas, e outras.

É preciso instrumentalizar as agências reguladoras para que elas operem com eficiência. E não se pode culpá-las pelos percalços que o sistema econômico, de forma mais ampla, pode enfrentar.

5 – Alta qualificação profissional

O quinto ponto de atenção sobre as agências reguladoras aqui enfatizado é a quantificação e a qualificação de seus quadros técnicos.

É desejável que os profissionais que atuam nas agências reguladoras tenham uma carga de trabalho adequada às suas responsabilidades, sólida formação acadêmica, ótimo embasamento no tema regulação e conhecimentos sólidos sobre o setor econômico a ser regulado.

Há que considerar também a remuneração dos profissionais da regulamentação, que necessitam ser valorizados ao longo de suas carreiras.

Estes são requisitos importantes para a criação de boas regras regulatórias e a boa fiscalização.

Deve-se buscar o dimensionamento correto e aprimoramento contínuo dos quadros profissionais das agências reguladoras, a bem de sua eficiência.

Continua no artigo:

A boa regulação e a liberdade econômica (2/2)

Mônica Mansur Brandão