Um dos temas mais presentes na
mídia e no cotidiano dos brasileiros tem sido a corrupção. E o tema ganha
importância em períodos de eleições. Este será o caso, por exemplo, do ano de
2020, quando serão eleitos prefeitos para os 5.568 municípios brasileiros. Será
importante para o Brasil que os eleitores escolham, para administrar seus respectivos
municípios, pessoas com histórico de probidade, e cujo conhecimento,
experiência e boa vontade possam agregar valor à sociedade.
Sobre corrupção: esta não é
privativa de alguns países, estados ou cidades. Na realidade, ela, a corrupção,
existe ao redor do Planeta e em vários setores das
economias nacionais. No âmbito de um país genérico e de forma mais abrangente,
diversas causas podem explicar a corrupção, tais como: sua ocorrência ao longo
da história do país considerado, o tamanho do Estado, o excesso de burocracia estatal, o aparelhamento de organizações estatais por interesses alheios
aos seus objetivos, a impunidade de corruptos e corruptores, em geral, e as práticas de
governança corporativa das organizações. Diversas variáveis podem ser consideradas para medir a corrupção, como por exemplo, o peso da corrupção no PIB e os casos de corrupção relacionados a grandes empresas ocorridos ao longo de um ano. (*)
A corrupção nas organizações do estado ganha maior espaço nos múltiplos canais de
mídia, por envolver recursos financeiros que pertencem à
sociedade e pessoas que, supostamente, deveriam se comportar de forma correta no
uso desses recursos; por vezes, que receberam o voto de confiança de eleitores. (*)
Reproduz-se a seguir os artigos 317 e do Código Penal vigente no Brasil, relacionados, respectivamente, à corrupção passiva e ativa (*):
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Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
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Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
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Conforme se percebe, o termo corrupção, da esfera pública envolve dois agentes: aquele que é corrompido (pratica corrupção passiva, nos termos do art. 317) e aquele que corrompe (pratica corrupção ativa, nos termos do art. 333). (*)
Adicionalmente, não é apenas a corrupção que pode envolver organizações da esfera privada, em busca de benesses. Grandes escândalos de governança corporativa têm ocorrido no Planeta, associados a fraudes, com grandes perdas para as pessoas envolvidas, em várias frentes. Abaixo, apresentam-se três exemplos clássicos – três cases inesquecíveis – de péssima governança corporativa privada, para que se tenha em mente que grandes atos desabonadores não são uma questão apenas da esfera das organizações do Estado em seus relacionamentos com as demais organizações. (*)
Caso Enron
A Enron, um grupo empresarial de energia que chegou a ser o mais
admirado dos EUA, com a suposta ciência de Kenneth Lay, principal acionista
(que faleceu antes de seu julgamento pelo Poder Judiciário), manipulou dados
contábeis para parecer que gerava lucro, além de ter ocultado dívidas e
cometido outras ilicitudes. Os executivos financeiros Jeffrey Skilling e Andrew
Fastow adotaram o procedimento mark to market (marcação a mercado), por meio do
qual receitas de operações de anos futuros foram contabilizadas como ocorridas
no presente, criando lucros irreais. Ademais, dívidas foram ocultadas via arranjos
societários envolvendo a criação de sociedades de propósito específico (SPE’s),
de maneira que não se percebesse a gravidade da situação; essas SPE’s também
abrigaram operações arriscadas com derivativos. No início de dezembro de 2001, após
divulgar forte prejuízo ao mercado investidor, a Enron pediu a proteção da Lei
de Falência dos EUA. No dia 16 de janeiro de 2002, as ações da Enron deixaram
de seu negociadas em bolsa de valores.
Caso WorldCom
Em 2001 e parte de 2002, com ciência de Bernard Ebbers, principal
acionista e presidente executivo, e sob a coordenação de Scott D. Sullivan, diretor
financeiro, a WorldCom, um grande grupo econômico do setor de telecomunicações dos EUA,
além de fazer provisionamentos de despesas para o futuro, contabilizou despesas
como investimentos. As medidas citadas foram tomadas no contexto da quebra da
bolha das empresas pontocom, ocorrida em 2000, e das pressões de investidores do
mercado de capitais dos EUA para que a Companhia apresentasse bons resultados.
A auditora externa da WorldCom, Arthur Andersen, a mesma do caso Enron, não
apontou nenhum problema com a contabilidade da Companhia, que era fraudulenta. A
WorldCom foi reestruturada e seus ativos, posteriormente, foram adquiridos
pela VerizonCommunications.
A aquisição foi finalizada em 6 de janeiro de 2006 e os ativos citados passaram
a integrar a Verizon Business, uma divisão especializada em clientes corporativos
e do governo.
Caso Toshiba
Em 2015, relatório resultante de uma investigação externa contratada
pela própria Toshiba, do Japão, revelou que três de seus executivos-chefes tiveram ativa
participação em uma fraude contábil de grande magnitude financeira, a qual havia
aumentado o lucro operacional da Companhia desde 2008. Esses dirigentes criaram
forte pressão sobre unidades de negócios que operavam com computadores
pessoais, semicondutores e reatores nucleares entre outros produtos. Metas cujo
alcance seria inviável, sem embasamento que as respaldasse, eram apresentadas
aos executivos das UN´s e, consequentemente, procedimentos fraudulentos foram
adotados em bases contínuas, encorajados pela cúpula executiva da Toshiba. O escândalo teve vários desdobramentos: em 21 de dezembro de 2015, foi anunciado
o corte de 6,8 mil empregos (1/3 da força de trabalho da Companhia). E diante
do escândalo contábil, vários investidores, especialmente estrangeiros,
ingressaram na Justiça contra a Toshiba, por se sentirem prejudicados.
Nos EUA, a preocupação dos políticos com os desdobramentos de grandes escândalos como os da Enron e WorldCom culminaram na criação do Sarbanes-Oxley (SOX, 2001), então uma nova lei focada em aprofundar controles organizacionais, a qual gerou bilhões de dólares em gastos com sistemas de controle nas empresas abertas dos EUA e de outros países participantes do mercado de capitais estadunidense. A criação da SOX foi uma forte resposta institucional à ameaça percebida pelos políticos ao sistema econômico dos EUA, especialmente no que tange a uma possível crise de confiança do público relativa aos mercado de capitais e de ações.
Sobre os atos corrupção e os atos fraudulentos: o que diferencia aqueles praticados em várias nações, no que diz respeito às consequências? Em boa medida, a atitude da sociedade sobre o assunto, que tem a ver com a cultura ou regras do jogo não escritas vigentes, bem como os mecanismos formais criados para lidar com o fenômeno, que podem apresentar menor ou maior nível de tolerância e serem ou não efetivamente implementados. Nesse sentindo, cabe destacar a importância do enforcement, isto é, do cumprimento das regras legais, com ênfase na adequada punição. (*)
Sobre os atos corrupção e os atos fraudulentos: o que diferencia aqueles praticados em várias nações, no que diz respeito às consequências? Em boa medida, a atitude da sociedade sobre o assunto, que tem a ver com a cultura ou regras do jogo não escritas vigentes, bem como os mecanismos formais criados para lidar com o fenômeno, que podem apresentar menor ou maior nível de tolerância e serem ou não efetivamente implementados. Nesse sentindo, cabe destacar a importância do enforcement, isto é, do cumprimento das regras legais, com ênfase na adequada punição. (*)
A corrupção, no contexto do
Estado, e as fraudes da esfera privada certamente pioram o ambiente de negócios,
tornando-o mais hostil e arriscado. A corrupção desvia
recursos importantes para cofres alheios aos interesses sociais, onerando
investimentos públicos e podendo onerar produtos e serviços oferecidos à
sociedade por organizações estatais. Já as fraudes privadas têm
um grande potencial para prejudicar, em grande medida, sócios e outros stakeholders (públicos relevantes) das
organizações; no limite, conduzindo a organização à falência. E em um segundo limite ainda mais ameaçador, criando riscos sistêmicos para a economia de um país, como exemplifica o contexto que levou à SOX. (*)
Para os mercados de capitais, o combate à corrupção, às fraudes e a
melhoria do ambiente de negócios nacional são muito importantes:
investidores de todos os perfis terão apetite
substancialmente maior pelo investimento em ações e por outros títulos emitidos
por organizações empresariais, se estas forem dirigidas com ética e seriedade. Destaca-se
aqui o papel primordial do próprio Estado na busca de seriedade, por meio de
suas regras legais e organizações. Cabe ao Estado estabelecer regras formais
adequadas e, por intermédio de um aparato institucional e jurídico robusto, assegurar
o seu cumprimento (enforcement). (*)
Ao mesmo tempo, se o caminho da coerção
de cima para abaixo é necessário, a
seriedade também pode ser criada de
dentro para fora, nas organizações estatais e privadas. Fundamentalmente, por
meio do compromisso efetivo, verdadeiro, com os princípios clássicos da boa governança
corporativa, quais sejam transparência, equidade, prestação de contas e
responsabilidade corporativa. Compromisso este que gera o compromisso também
efetivo e verdadeiro com boas práticas de governança corporativa.
Muito poderia ser dito sobre práticas
de governança, mas neste breve artigo, focado no tema corrupção e em sua diferenciação em relação a fraudes do mundo privado, menciona-se a
importância de processos decisórios efetivamente colegiados, envolvendo vários
dirigentes, com várias cabeças pensantes comprometidas com a seriedade e o
futuro da organização – com a sua sustentabilidade econômica, social e
ambiental. Além disso, mencionam-se as políticas de relacionamento com stakeholders (públicos relevantes), tais
como (entre outros):
1) as várias organizações do
estado, especialmente no que concerne à conformidade com as obrigações legais e
regulatórias, entre fiscais e outras;
2) partidos políticos e seus
afiliados, registrando-se que contribuições a campanhas eleitorais já foram,
mas não mais são permitidas no Brasil;
3) no caso de sociedades por ações, os pequenos sócios pulverizados por todo o mercado acionário, cuja grande
maioria acompanha o que ocorre na empresa sem participar de sua administração;
4) empregados, incluindo-se aqui
aqueles integrantes da cúpula da organização, o ambiente de governança
corporativa. Organizações podem cumprir obrigações trabalhistas e, indo além do
mínimo a ser feito, criar sistemas de recompensa reduzindo as possibilidades e
oportunidades de corrupção e fraudes; e, (*)
5) fornecedores, lembrando que controles
rígidos de compras e leilões via internet
podem ser implantados e – novamente – reduzindo as chances e oportunidades de
corrupção e fraudes. (*)
O tratamento dado aos temas corrupção e fraudes pelas organizações – por todas as organizações
da economia, estatais, privadas e outras – se decide no ambiente de governança
corporativa, eis a verdade. E a interação com a sociedade, ao contemplar práticas
baseadas na ética, pode prestar relevante
serviço ao País e aos seus cidadãos. (*)
(*) Artigo revisado em 1/5/2023, nas partes indicadas com asteriscos (*), alterando-se a redação das variáveis que podem concorrer para a corrupção, diferenciando-se melhor os atos de corrupção da esfera pública das fraudes do ambiente privado e agregando-se os artigos do Código Penal relacionados a corrupção ativa e passiva.
(*) Artigo revisado em 1/5/2023, nas partes indicadas com asteriscos (*), alterando-se a redação das variáveis que podem concorrer para a corrupção, diferenciando-se melhor os atos de corrupção da esfera pública das fraudes do ambiente privado e agregando-se os artigos do Código Penal relacionados a corrupção ativa e passiva.
Mônica Mansur Brandão