Os mercados de capitais trabalham com informação, sua matéria
prima essencial de trabalho. A informação está no cerne do trabalho dos
analistas e profissionais de investimento que atuam nesses mercados. Mas a
informação também pode ser um tema delicado.
Por que companhias
abertas e com ações listadas em bolsa de valores podem ter receio de fornecer
informações que subsidiem as projeções dos analistas e profissionais de
investimento, limitando-se ao um mínimo necessário para cumprir obrigações formais? As respostas podem ser variadas e não excludentes entre si:
1) para não municiar a concorrência com dados e perder vantagens competitivas;
2) para não manter uma
estrutura de prestação de informações detalhadas, que tem custos;
3) por receio de cobrança posterior, se premissas não se confirmarem na prática;
explicações serão pedidas e terão que ser dadas;
4) para evitar escrutínio
externo e contestação às estratégias e práticas definidas internamente, por
parte de organizações do Estado, investidores e outros stakeholders;
5) porque os controladores da empresa simplesmente não pretendem se abrir
verdadeiramente aos mercados; e,
6) porque a Lei das
Sociedades Anônimas (6.404, 15/12/76) exige, quando a divulgação de informações
prejudica a empresa. Sim, a Lei é clara sobre este ponto, no artigo 157.
Considerando a questão informacional por outro ângulo, por
que companhias abertas e com ações em bolsa de valores podem ter, ao invés de
desinteresse, o interesse em fornecer informações que subsidiem as projeções
dos analistas e profissionais de investimento? As possibilidades também podem ser variadas:
1) porque existe a
percepção de que a posição da companhia perante os concorrentes não será
significativamente afetada pela publicação de informações;
2) porque os acionistas controladores têm consciência de que o valor do seu
patrimônio é formado na bolsa de valores, via projeções de fluxos de caixa e de
custo de capital próprio e de terceiros. Assim, eles concordam com os eventuais
gastos associados à produção de informações mais detalhadas para os mercados de
capitais;
3) porque a
companhia tem planos
concretos de crescer, necessita de recursos e pretende usar o mercado de
capitais como fonte de captação desses recursos. A determinação de crescer é
muito superior ao medo de publicar informações imprecisas ou incorretas;
4) porque a companhia não
tem maiores receios de questionamentos externos quanto à sua estratégia e/ou práticas
de trabalho, por se perceber relativamente confortável vis-à-vis dos vários players de seu setor de atuação;
5) porque os dirigentes estabeleceram políticas de prestação de informações e de relacionamento com os mercados de capitais, especialmente por meio de boas áreas de relações com investidores, buscando atender a necessidades informacionais sem colocar em risco informações que devem ser protegidas. Tais políticas agregam maior conforto à disseminação de
informações; e,
6) porque os dirigentes realmente acreditam em transparência informacional e melhor qualidade no atendimento aos públicos que dependem dos resultados empresariais, especialmente quando desejam fazer um trabalho que seja percebido como diferenciado. Crenças dos dirigentes sobre como uma organização deve ser governada frequentemente modelam seu modus operandi.
O aspecto cultural perpassa todos os aspectos
anteriores, contra e a favor de bem informar, pois a cultura de abrir
informações aos públicos externos não se forma da noite para o dia. A lógica é
aquela que permeia o comentário de um empreendedor de nosso relacionamento,
que integra a cúpula de uma empresa familiar de capital fechado (por enquanto):
- Nossa família
levou alguns anos
lutando para erguer nossa empresa. Ainda levará algum tempo para nos
acostumarmos com a possibilidade de dividir informações e grandes decisões com
outras pessoas que não sejam do clã. Não será fácil. Não mesmo.
Neste ponto, uma reflexão especial merece ser feita com
respeito ao Guidance, instrumento que contempla um conjunto de premissas
e parâmetros para subsidiar previsões sobre o futuro de empresas, publicado por
parte das mesmas aos mercados de capitais. Nos EUA, o Guidance costuma ser peça-chave de apresentação de informações de
companhias abertas.
A reflexão supracitada suscita algumas questões entre
outras:
1) Quais são as melhores formas de apresentar um Guidance? Empresas podem trabalhar seus Guidances de variadas formas, com maior ou menor ênfase em determinados grupos informacionais, abrangendo o contexto macroeconômico, receitas, despesas, investimentos e outros itens.
2) Quais critérios de projeções do futuro são relevantes para a elaboração
do Guidance? Estamos tratando aqui dos critérios usados para projetar receitas
e gastos, especialmente investimentos previstos. Regressões estatísticas e a formulação de cenários são exemplos de técnicas que podem ser usadas para projetar o futuro.
3) Qual deve ser a periodicidade da
informação e do monitoramento? O Guidance deve ser anual e sem revisão? Ou
anual com revisão trimestral ou semestral? No mercado de capitais nacional, a
mera publicação de um Guidance em bases anuais, sem revisão, já mereceria
ser enaltecida.
Independentemente das respostas às questões acima, que
podem apresentar aspectos comuns e distintos entre companhias, disponibilizar
um bom Guidance para os mercados de capitais é uma boa prática informacional
e de governança corporativa. Reforçando o dito inicialmente, a informação é insumo básico para os agentes externos do mercado. Mas sua disponibilização, sem prejuízo do que deve ser protegido, pode ser boa para as organizações e seus planos para criar um futuro promissor. E quanto ao Relatório de Administração e a outros instrumentos de informação ao mercado investidor? Estes merecem artigos específicos para os leitores.
Mônica Mansur Brandão
Mônica Mansur Brandão