quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Existe uma bolha especulativa em rompimento no mercado de capitais nacional?


Em 2019, o Ibovespa se apreciou bem mais do que a inflação, com uma valorização superior a 30%. No mesmo período, registrou-se a queda dos juros do mercado financeiro doméstico. O que não foi um fenômeno apenas nacional, pois alguns países, tais como Alemanha, França, Japão e Bélgica, registraram quedas nos juros e mesmo taxas de juros negativas.

Embora tenha sido um dos fatores que contribuíram para o ótimo desempenho do mercado de ações nacional no ano passado, não o único – as expectativas de investidores em relação a possíveis reformas institucionais ajudaram bastante a melhorar o desempenho do Ibovespa –, faz sentido afirmar que a queda nos juros foi um vetor favorável ao bom desempenho do Ibovespa. Afinal, com juros altos, é bem mais difícil obter retornos mais elevados com ações, já que outros ativos remuneram bem os investidores; por exemplo, títulos públicos, certificados bancários e algumas opções de fundos de investimento.

Nesse contexto, pode-se indagar: a grande valorização do Ibovespa em 2019 e em parte de 2020 se trata de uma bolha especulativa? De acordo com o economista Roberto Teixeira da Costa, criador da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não se percebem sinais de uma bolha especulativa no mercado de capitais doméstico. Esta foi sua afirmativa em artigo recentemente publicado na Revista RI – Relações com Investidores deste mês de fevereiro (“Bolha especulativa no mercado de capitais?”).

O ex-presidente da CVM lembra que o mercado de capitais nacional já conviveu ao longo de sua história com duas bolhas especulativas: uma em 1889-90, período em que Rui Barbosa foi ministro da Fazenda, e outra na transição entre os anos sessenta e setenta (nos primórdios dos governos militares). Entretanto, para Teixeira da Costa, o quadro atual é bem menos propício à criação de uma bolha; em sua visão, existem condições que tornam o mercado bem mais protegido do que no passado.

Entre as condições que diferenciam o mercado de capitais atual daquele de tempos pregressos, segundo Roberto Teixeira da Costa, mencionam-se: a existência de instituições financeiras preparadas; regulação atualizada e uma CVM mais exigente quando às informações prestadas aos investidores, educação financeira, jornalismo econômico aprimorado, mecanismos que reduzem, em grande medida, o risco de especuladores e a não existência de um “clima de euforia” entre investidores, típico de bolhas especulativas.

Após a publicação da Revista RI em sua edição de fevereiro, na quarta-feira de cinzas, dia 26 de fevereiro, ou seja, nesta semana, o Ibovespa sofreu uma forte queda, de 7%, refletindo os temores, em âmbito mundial, em relação à transmissão do coronavírus. O mundo – e os investidores e profissionais de investimento – mostram receio desse vírus egresso da China, do qual pouco ainda se sabe, especialmente sobre como combatê-lo mais assertivamente sob o prisma médico, já que ainda não existe uma vacina disponível para isso. Na quinta-feira (27), isto é, hoje, assistiu-se a uma nova queda no Ibovespa, desta feita de 2,6%.

O ambiente político-institucional do momento também pode ter contribuído para as quedas citadas, em alguma medida. Na visão de vários analistas e profissionais de investimento, o modus operandi do presidente Jair Messias Bolsonaro, em termos de seu relacionamento com os Poderes Legislativo e Judiciário e a imprensa pode dificultar a aprovação de medidas consideradas importantes para equilibrar as finanças nacionais e permitir o crescimento.

Investidores e profissionais de investimento do mercado de capitais nacional têm expectativas quanto a reformas que consideram muito relevantes para a economia do Brasil. Após a reforma da Previdência, eles anseiam por grandes reformas nas searas tributária e administrativa. A frustração dessas expectativas tem potencial para desvalorizar o Ibovespa. Não com o caráter do estouro de uma bolha, mas refletindo, em boa medida, e sem perder de vista outros fatores que formam o preço de ativos do mercado de capitais (como por exemplo, o medo do coronavírus), o desapontamento em relação à gestão da economia nacional. E ainda existe o risco coronavírus.

Mônica Mansur Brandão     (atualizado em 10/3/2020)