quinta-feira, 11 de junho de 2020

As crises econômica, política e sanitária do Brasil (2/2)


Segundo Armínio Fraga, o Brasil está em recessão profunda.

Para o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, entrevistado em 7 de junho pelo jornal Valor, as reformas de que o Brasil necessita têm que ser levadas ainda mais longe do que aquelas realizadas até o momento, incluindo-se, no pacote liberal que ele vislumbra, reformas tributária e administrativa. 

Um ponto crucial a destacar na entrevista de Armínio Fraga é o déficit primário e a possibilidade de uma dívida pública de 100% do PIB, em ambiente de depressão econômica. Há que reconhecer que o endividamento dos países é de uma questão de natureza global. A crise COVID-19 tende a aprofundar o endividamento de forma ampla – e não apenas no que concerne às dívidas públicas. Estados, empresas, cidadãos, todos tendem a ficar mais endividados.

Adicionalmente, mesmo não tendo mencionado o risco de uma explosão social, Fraga, implicitamente, parece reconhecer sua existência (ou o risco de um forte descontentamento popular), ao citar a necessidade de proteger trabalhadores atingidos pela crise COVID. O que é positivo, bem como a referência à possibilidade de buscar o crescimento do Brasil por meio da redução da desigualdade, conforme enfatiza a primeira parte deste artigo.

Ao mesmo tempo, a entrevista de Armínio Fraga cria várias perguntas relevantes sobre o que ele faria, tanto pelo ângulo das fontes de recursos públicos (arrecadação tributária e contratação de dívida pública, principalmente) quanto sob a perspectiva das aplicações desses recursos (pagamento da dívida pública contraída, Previdência, serviços públicos, ajuda a micro e pequenas empresas & trabalhadores e outras).

Considerando a equação Fontes = Aplicações de recursos públicos, fazemos aqui algumas perguntas sobre o que um futuro ministro da Economia do Brasil Armínio Fraga poderia fazer, diante da gravidade do quadro socioeconômico nacional. Tais perguntas se baseiam no raciocínio do ex-presidente do Banco Central ao jornal Valor.

Comecemos pelas fontes. Fraga defende uma reforma tributária que, de fato, é necessária. O sistema tributário nacional é profundamente injusto, conforme o economista reconheceu, em entrevista por ele concedidas em 2019 na FEA/USP, quando manifestou necessidades de mudanças muito importantes: tributação de dividendos, maior tributação de heranças e doações, tornar mais justo o pagamento do imposto de renda pela classe média e simplificar os impostos vigentes. Assim sendo, indaga-se, quanto às fontes de recursos públicos:

1) As ideias expressas pelo entrevistado em 2019 seguiriam adiante? Ou a crise COVID criaria a necessidade de uma nova abordagem?

2) Como ficaria o pagamento de tributos pelas pequenas, médias e grandes empresas? Quais modificações seriam necessárias para cada categoria?

3) Como ficaria o pagamento de tributos pelas classes média e média alta? Seriam essas classes usadas para cobrir a necessidade de recursos para os brasileiros impactados pela crise COVID-19? Essa alternativa tem sido defendida, por exemplo, pela Rede de Pesquisa Solidária, grupo financiado pela Fundação Tide Setubal e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) entre outros colaboradores (Grupo financiado por ONG do Itaú sugere mais IR para a classe média).

No que respeita às aplicações de recursos públicos, pergunta-se:

1) Como ficaria a Previdência Social? A quais novas regras os trabalhadores estariam submetidos? Eles teriam sua Previdência oficial piorada, em tempo para se aposentar e/ou valores recebidos?

2) Como os serviços públicos seriam afetados? Como seria feita uma reforma administrativa? Os grupos que mais oneram as contas públicas seriam impactados? Como a qualidade dos serviços públicos seria mantida ou mesmo ampliada, considerando o crescimento da população e suas necessidades crescentes?

3) Como seria equacionada a ajuda a pequenas e médias empresas, desconsiderando a questão tributária anteriormente citada? Fraga observou que esta deve ser tratada no âmbito de um orçamento para gastos emergenciais. De onde viriam tais recursos? Como eles seriam alocados às empresas? Via apoio temporário no pagamento de salários? Por intermédio da criação de linhas de crédito especiais?

4) E quanto aos trabalhadores atingidos pela crise e à desigualdade social? Armínio Fraga se mostra favorável a repensar a assistência, em prol da paz social. A renda emergencial criada no âmbito da COVID-19 se tornaria renda mínima? Se positivo, para quais brasileiros e sob quais condições? Quais seriam as saídas para ajudar esses brasileiros e, de forma mais ampla, para reduzir a desigualdade?

5) O teto de gastos públicos criado pelo governo Michel Temer seria mantido? Se positivo, no mesmo patamar aprovado? Armínio mostrou-se favorável ao teto na entrevista, mas poderia este ser flexibilizado, diante das crises econômica, política e sanitária – especialmente considerando esta última?

No que respeita ao item 4, o ex-presidente do Banco Central menciona mudanças na Previdência Social (citadas no item 1) e no funcionalismo público (conforme item 2), o que pode significar remanejamento de gastos dentro das próprias aplicações. E quanto ao item 3, relacionado às pequenas e médias empresas?  

Adicionalmente, considere-se a dívida pública: como ficariam as novas contratações (fontes)? E como seria feito o equacionamento da dívida pública, isto é, do pagamento de amortizações e juros (aplicações)? Considerando a possibilidade concreta de elevação dessa dívida a 100% do PIB, o que seria feito? Parece razoável supor que algo seja feito.

Estas são perguntas que certamente demandariam mais do que uma única entrevista para obter respostas – talvez várias entrevistas. As reflexões aqui apresentadas criam perguntas de difícil resposta, é certo. E ainda restaria uma pergunta final, já vista no final da primeira parte deste texto: a visão liberal, sozinha, per se, ofereceria as ferramentas completas e/ou adequadas para o Brasil sair das crises econômica e sanitária? E as questões políticas? E as incertezas relacionadas à crise COVID-19, que ainda são grandes?

Diante de tantas perguntas, resta uma certeza: o Brasil não tem desafios triviais pela frente. E a ancoragem a modelos mentais de natureza ideológica, sem conexão com a realidade prática, independentemente da ideologia, não parece ser recomendável, diante dos desafios.

Mônica Mansur Brandão     (atualizado em 20/7/2020)

Leia o início destas reflexões em As crises econômica, política e sanitária do Brasil (1/2)

Sugestão de leituras:

Crescimento requer redução da desigualdade e mais justiça com impostos, diz Armínio Fraga