Conselheiros de administração e diretores executivos são impactados pelas suas respectivas percepções humanas. É importante haver consciência sobre essas percepções e sobre como elas podem ser afetadas.
Na primeira parte deste artigo, denominada A percepção de conselheiros e diretores e as decisões (1/2), discorremos sobre três fatores que impactam decisões, com base em explicações do professor Nélio Oliveira em seu curso sobre negociação ministrado na PUC Minas Virtual. Estes fatores são o objeto que está sob análise, aquele que avalia e o contexto da avaliação.
A seguir, e de forma não exaustiva, apresentamos três grandes pontos de atenção relacionados à percepção dos indivíduos, aqui descritos com base nas explicações do professor Nélio Oliveira: 1) atalhos mentais; 2) simplificação de julgamentos; e, 3) erros de atribuição. Estas três categorias de eventos podem ocorrer e afetar decisões humanas.
A figura seguinte associa as categorias citadas às decisões:
Fonte: Elaborada pela autora, para firmar conceitos.
A seguir, comentamos as categorias que podem mudar a percepção daquele que avalia.
Sobre os atalhos mentais
No artigo Existem armadilhas nas decisões de dirigentes organizacionais?, apresentamos exemplos de armadilhas mentais que podem ocorrer em contextos de decisão e recomendamos sua leitura (ou releitura).
Muito resumidamente, relacionamos as armadilhas citadas no artigo acima mencionado: 1) ancoragem (o indivíduo se apega às primeiras informações recebidas); 2) status quo (mantem uma situação existente, por comodidade); 3) custo afundado (mantem decisões passadas, mesmo inválidas no presente, por receio de críticas); 4) confirmação das evidências (seleciona evidências que favorecem uma dada decisão); e, 5) formulação ou formatação (acolhe, sem questionar, a informação em formato que induz quem vai decidir a determinada decisão).
Essas armadilhas correspondem a atalhos mentais que a mente pode tomar para fundamentar decisões. E há outros. O professor Nélio Oliveira, de modo detalhado, destaca os atalhos da ancoragem e confirmação de evidências supramencionados e ainda discorre sobre os seguintes:
- Excesso de confiança
O indivíduo entende que, mesmo com nível de conhecimento superficial sobre um assunto, está apto a tomar sua decisão como se já muito soubesse. Este também é conhecido como efeito de Dunning-Kruger, em função de estudos realizados por David Dunning e Justin Kruger, pesquisadores da Universidade Cornell (EUA) sobre decisões (exemplo: fiz uma leitura de um artigo excelente sobre o assunto e percebi de primeira qual é a decisão certa).
- Viés de disponibilidade
O indivíduo tende a decidir com base nas informações mais disponíveis, deixando de investir no aprofundamento de outras informações que podem, afinal, ser muito mais importantes (exemplo: podem até estudar mais este assunto, mas eu já sei qual é a decisão certa).
- Escalada de comprometimento
O indivíduo se apega a uma decisão anterior, mesmo que esteja claro que esta foi um erro inequívoco, inconteste. Nesta modalidade de atalho, assemelhada ao do custo afundado, a pessoa aumenta substancialmente o seu comprometimento com más decisões passadas, por se ver como responsável pelo fracasso, entrando em uma espécie de modo de negação (exemplo: digam o que disserem, a decisão anterior era e permanece sendo a certa, não me convencerão do contrário).
- Aversão ao risco
O indivíduo, percebendo risco, evita-o a todo custo; o que pode ocorrer, inclusive, após uma fase inicial de excesso de confiança. Isto porque seres humanos, em geral, não têm apreço por correr riscos (exemplo: não devemos correr riscos e é melhor, portanto, desistirmos deste projeto).
- Compreensão tardia
O indivíduo, após a ocorrência de um evento, tem a falsa impressão de que sabia o que ocorreria, o que não corresponde à realidade (exemplo: tive a forte sensação de que isso ocorreria, de que deveríamos ter decidido algo diferente).
Sobre a simplificação de julgamentos
Julgamentos para fins de decisão podem correr o risco da simplificação. Conforme enfatiza o professor Nélio Oliveira, julgamentos podem ser afetados por alguns fatores, entre os quais, ele destaca:
- Percepção seletiva
O indivíduo seleciona apenas parte dos estímulos que a ele chegam por meio dos seus sentidos, em função de experiências passadas, expectativas, interesses e outros tópicos (exemplo: já vi isto antes e sei bem o que pode acontecer).
- Efeito de contraste
O indivíduo é influenciado por pessoas por ele encontradas recentemente e faz comparações com outras pessoas, com base nessas referências mais recentes (exemplo: João, cuja palestra vi recentemente, está bem mais atualizado do que todos as pessoas aqui).
- Efeito de halo
O indivíduo avalia outro indivíduo a partir de uma única caraterística, por ele admirada, deixando de ver todo o conjunto de atributos da pessoa (exemplo: José entende a fundo de gestão de processos; tem alguns defeitos no relacionamento com pessoas, mas irrelevantes).
- Esteriotipagem
O indivíduo avalia outros indivíduos a partir de sua visão sobre o grupo da qual essa pessoa faz parte (exemplo: Pedro é como todos os especialistas em finanças: somente vê o lucro diante de si).
No exemplo apresentado na primeira parte deste artigo – A percepção de conselheiros e diretores e as decisões (1/2) –, os Diretores 1 e 2 parecem ter percepção seletiva, com base em experiências substancialmente distintas em termos de resultados de outras iniciativas congêneres àquela avaliada. Note-se, no Diretor 1, um possível viés de disponibilidade, já que o projeto ainda se encontra em sua primeira rodada e o executivo já demonstra entusiasmo. Por outro lado, no Diretor 2, reside um possível viés de aversão ao risco: ele mostra receio em implantar um projeto previsto na estratégia corporativa, que talvez seja importante para o futuro da empresa.
Sobre os erros de atribuição
Percepções de indivíduos sobre outros indivíduos ou sobre situações específicas podem privilegiar alguns vieses importantes e que também merecem ser conhecidos, por poderem afetar decisões. Como isso pode ocorrer?
Primeiramente, é preciso mencionar o primeiro grande erro ou viés fundamental de atribuição: nós, seres humanos, tendemos a julgar outras pessoas com comportamentos indesejados considerando-os em função de fatores internos. Assim, se a outra pessoa não foi bem-sucedida em algo, a culpa tende a ser dela (não se dedicou o bastante). Se chegou atrasada a uma reunião, a culpa tende a ser dela (não planejou seu tempo).
Ao mesmo tempo, também temos o viés da autoconveniência: se temos sucesso em algo, o mérito tende a ser nosso (eu me dediquei bastante); caso contrário, tendemos a imputar a “culpa” a fatores externos (o projeto foi mal planejado pelo seu gestor).
Além desses vieses, outros podem ser identificados: 1) se o indivíduo sempre chega atrasado, o problema reside nele; 2) se ele sempre chega na hora marcada, mas se atrasa no dia de hoje, o problema foi criado por outrem; e, 3) se todos chegam atrasados e um indivíduo também, então o problema não foi criado por ninguém, tem causa externa. Todavia, a realidade, nos três exemplos citados, pode ser bem diferente.
Retornando-se ao exemplo inicial, os Diretores 1 e 2 lideraram no passado, dois projetos similares àquele sob análise. O primeiro executivo entende ter sido figura crucial para o sucesso do projeto por ele liderado; quanto ao segundo executivo, este entende que a questão cultural não foi bem trabalhada pela empresa. Ambos aparentam ter vieses de atribuição: o primeiro, vê a si mesmo como figura central do sucesso, quando um projeto complexo requer várias personagens para um bom termo; já segundo, atribui o fraco desempenho do projeto por ele liderado a uma questão cultural, o que eximiria de parte de sua responsabilidade como líder.
Uma reflexão final
Neste artigo, focalizamos a percepção individual relacionada a decisões e exemplificamos como isso pode ocorrer no ambiente de governança corporativa com indivíduos distintos, frente a um novo projeto de investimento. Destaca-se que este artigo é focado em indivíduos e suas percepções individuais, não em colegiados e decisões colegiadas, afetadas por fatores adicionais que necessitam ser levados em consideração. Ao mesmo tempo, visões individuais podem impactar decisões colegiadas; assim, compreender o que pode ocorrer na mente dos indivíduos pode ajudar a melhorar a qualidade das decisões.
Sobre o professor Nélio Oliveira:
Nélio Oliveira é graduado e mestre em Administração pela UFMG. Atuou durante anos em organizações públicas, privadas e de economia mista, dos setores primário, secundário e terciário, tendo assumido cargos gerenciais em departamentos de produção, finanças, vendas e recursos humanos. É autor do livro Automated Organizations: Development and Structure of the Modern Business Firm (Editora Springer). Leciona em cursos de Administração da PUC Minas e tem experiência de uma década em cursos EAD.
Sobre o curso citado:
O curso Negociação e Tomada de Decisão, ministrado pelo professor Nélio Oliveira, é oferecido pela PUC Minas, virtualmente, compondo-se de quatro unidades, quais sejam: modelos de tomada de decisão, a prática da tomada de decisão, conflito e negociação e desenvolvimento de competências de negociação.
Mônica Mansur Brandão
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