A presença de pessoas tóxicas em posições de liderança nas organizações é algo que merece reflexão, apesar de não ser frequentemente discutido.
Qual seria o perfil genérico de uma pessoa em posição de liderança à qual o termo tóxica - por vezes, conforme o caso, psicopata - pudesse ser aplicado?
Reconhecendo que a questão se estende além dos líderes organizacionais, o presente artigo focaliza essa personagem: o líder tóxico, também tratado aqui com liderança tóxica. Por quê? Dado o maior potencial dos líderes de influenciar pessoas, para o bem e o mal das organizações.
Como seria o perfil do líder tóxico?
Ele, o líder tóxico, teria duplo perfil, com características aparentemente virtuosas, e outras, profundas e bem menos perceptíveis, opostas ou quase.
Segundo especialistas que estudam a mente humana, ele ou ela teria carisma, charme e aparentaria mais algumas destas características, não exaustivas: capacidade de motivar pessoas, real empatia com seres humanos, foco efetivo no bem da organização e maestria em liderar. Todavia, o real perfil dessa liderança tóxica seria bem diferente do seu aparente encanto.
Em que pesem o carisma e o charme, e correndo o risco de maniqueísmo, no propósito de desenvolver nosso raciocínio, as características profundas e verdadeiras do líder tóxico seriam: capacidade de envolver (não de motivar) pessoas, falsa (não verdadeira) empatia com seres humanos, foco efetivo em seus próprios interesses (não naqueles da organização) e maestria em manipular (não em liderar).
Ampliando o perfil do líder tóxico sem exaurí-lo, não seria impossível que tal pessoa tivesse, ademais, características como uma autoconfiança desmesurada e desproporcional àquela que seria razoável em um ser humano consciente de sua humanidade, foco excessivo no curto prazo (gratificações de curto prazo seriam sempre, sem exceção, preferenciais àquelas decorrentes de estratégias que demandam tempo), a capacidade perturbadora de dissociar suas ações das consequências éticas e morais e ... absoluta ausência de remorso ou arrependimento.
O exposto acima parece exagero, já que seres humanos têm qualidades e defeitos? Talvez, mas comparar opostos pode ajudar a qualificar algo sobre o que se raciona. Condições limítrofes ajudam a formular interessantes situações de contraste.
Como seria a comunicação?
A comunicação de uma liderança tóxica é caracterizada neste breve artigo por ações como (várias ou todas):
- dizer o que as pessoas gostam de ouvir;
- utilizar-se de mentiras, que criam falsa realidade;
- utilizar-se de meias-verdades, distorcendo a realidade;
- criar versões contraditórias sobre um tema, conforme o contexto e o interesse;
- dividir para conquistar, semeando conflitos e a discórdia, em prol de controle e poder;
- atribuir a si o mérito de outrem; e,
- em algumas circunstâncias, intimidar, para gerar obediência e impedir críticas.
Se no curto prazo o líder tóxico pode não criar maiores impactos, a médio e longo prazos, tem o potencial, dada sua posição de liderança, para criar ambientes de trabalho adoecidos e nos quais pessoas podem ter problemas de saúde física e/ou mental com frequência. Com práticas de manipulação e exploração que passam ao largo de qualquer conceito que se possa ter sobre o que seja uma cultura ética.
Como se precaver?
Esta é uma boa pergunta. É possível?
Acreditamos que sim, que existem estratégias para combater a influência tóxica e destrutiva de pessoas em posições de liderança, seja desestimulando seu ingresso na organização ou impedindo seu acesso à posição. E é preciso identificar boas estratégias de prevenção, com destaque para governança corporativa, cultura organizacional, comunicação e a busca de líderes virtuosos. A seguir, discorremos brevemente sobre essas estratégias.
1. Governança corporativa robusta
Um bom sistema de governança, baseado em princípios clássicos - entre os quais, o princípio da sustentabilidade -, em boas práticas e na colegialidade pode ajudar, ainda que sem blindar, a coibir práticas de manipulação e desrespeito às pessoas e aos seus direitos. O termo colegialidade, exclusivamente no contexto deste artigo, refere-se a decisões colegiadas e discutidas em profundidade. A colegialidade pode mitigar o risco de manipulação, se o colegiado for integrado por pessoas experientes e perceptivas. Afinal, respeitar opiniões não significa necessariamente acolhê-las e valorizar talentos nos conselhos de administração e diretorias executivas não implica permitir que objetivos pessoais capturem agendas corporativas.
2. Cultura ética
Programas de ética e liderança, focados em desenvolver competências como respeito aos direitos humanos & fundamentais (os direitos fundamentais são direitos humanos positivados ou explicitados, ou melhor dizendo, escritos no ordenamento jurídico) e responsabilidade social podem e devem ser parte integral da formação de todos os líderes. Aqui, enfatizamos a prática do letramento, que deve ser, inclusive, reforçado com o passar do tempo.
3. Comunicação efetiva
Relacionada à governança e à cultura, a comunicação baseada no respeito e na possibilidade de externar percepções que ajudem as pessoas e a organização a evoluírem pode contribuir para a criar audição e empatia. Aprender empatia não é trivial, requer disposição e prática, mas os efeitos organizacionais podem ser muito positivos.
4. Busca de líderes virtuosos
A alocação de pessoas a posições de liderança deve ser muito, extremamente cuidadosa, por ser altamente arriscada. Pode-se dar pela via interna, promovendo-se potenciais talentos, ou externa, via contratação de talentos no mercado. Em ambas as alternativas, o risco de errar é considerável. Qual seria a melhor alternativa? Cada caso é um caso, mas alocar a pessoa certa na posição certa - colocar na liderança um líder virtuoso - é o que deve ser buscado com afinco.
Adicionalmente, processos de seleção rigorosos, com avaliações psicológicas detalhadas também podem dar sua contribuição para filtrar candidatos com traços que pareçam tóxicos. Haja vista que líderes tóxicos podem ser extremamente hábeis em disfarçar suas características, será preciso que esses processos sejam muito cuidadosos.
Em suma
A presença de pessoas tóxicas (ou mesmo psicopatas) no topo das organizações é um desafio ético e estratégico, que sócios e líderes não podem ignorar. Pessoas que exibam traços dessa natureza podem causar danos irreparáveis à cultura organizacional, aos resultados de longo prazo e à longevidade da organização; no limite, destruindo-a.
A proteção contra líderes tóxicos não é apenas uma questão de proteção da saúde organizacional, mas uma obrigação ética com todos os envolvidos. Ao promover práticas de liderança responsáveis e sustentáveis, as organizações podem não só se protegerem contra riscos éticos graves, mas também construírem uma base sólida para a sobrevivência, e com sucesso, a longo prazo.
Finalizando: e se um sócio relevante (por vezes, na posição de liderança) for uma pessoa tóxica? Tudo é possível e esta é uma questão que mereceria outro artigo, mas podemos afirmar sem medo de errar que, sim, existirá grande risco para a organização e sua governança nessa situação. Dito de outra forma: Houston, temos um problema. Um problema considerável, diga-se.
Mônica Mansur Brandão