domingo, 7 de julho de 2024

Alguns aspectos comuns à recuperação judicial e falência (I)


A Lei 11.101/2005, a Lei de Recuperação Judicial e Falências, em seu artigo 6., estabelece que a decretação de falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica (caput, incisos I a III):

1. a suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime da Lei;

2. a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; e,

3. a proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

Ao mesmo tempo, há que considerar, com respeito ao referido artigo e de forma não exaustiva (destaques relacionados a distintos parágrafos):

1. Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput do artigo perdurarão pelo prazo de 180 dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

2. O decurso do prazo previsto acima sem a deliberação a respeito do Plano de Recuperação Judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo, nos termos da Lei;

3. A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a Jurisdição para qualquer outro pedido de falência, recuperação judicial de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor.

4. É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

5. Eventual ação que demandar quantia ilíquida (valor ainda não determinado com precisão) terá prosseguimento no Juízo no qual estiver se processando.

6. O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração de procedimento arbitral.

Note-se que os itens 4 e 5 estão relacionados à suspensão de ações contra o devedor, inicialmente previstas, e correspondem a situações de não suspensão. 

O artigo 6º da Lei é satisfatório para o devedor e os seus credores, especialmente quando se considera a hipótese de recuperação judicial? Esta é uma boa questão e é preciso considerar prós e contras, considerando cada parte e cada situação. 

Para os credores, a suspensão das ações e a submissão dos créditos ao Juízo universal (onde a ação judicial tramitará) proporcionam uma visão mais organizada da situação financeira do devedor, facilitando o entendimento global dos passivos. Ademais, permite uma negociação coletiva com todos os credores habilitados, levando em conta as capacidades de pagamento do devedor. 

Por outro lado, a suspensão das ações e execuções pode atrasar o recebimento de créditos por credores, o que pode ser particularmente negativo para aqueles que dependem desses recursos para as suas próprias operações. Além disso, se o plano de recuperação judicial falhar, os credores poderão enfrentar uma situação em que a empresa devedora chegue à falência, recebendo talvez menos do que receberiam em execuções individuais. 

Já para o devedor em recuperação judicial, a suspensão de ações e execuções cria um prazo de alívio para que este se reorganize financeiramente, sem a pressão de múltiplas lides judiciais. Além disso, a centralização das dívidas e a elaboração de um Plano de Recuperação permitem um planejamento financeiro mais eficiente e coordenado. 

Ao mesmo tempo, durante o processo de recuperação, o devedor pode enfrentar restrições operacionais, com a necessidade de aprovação judicial para determinados atos, o que limitará sua flexibilidade operativa. Outro ponto de atenção é o prazo de 180 dias para a suspensão de ações judiciais, que pode ser insuficiente para algumas empresas realizarem uma reestruturação realmente bem sucedida, especialmente sob crise severa. Por fim, o processo de recuperação judicial pode afetar a confiança de clientes, fornecedores e investidores, prejudicando a imagem da empresa e dificultando a recuperação.

O que se pode afirmar é que cada caso concreto é um caso. E que o artigo 6. da Lei de Recuperação Judicial e Falências é um dispositivo importante para a viabilização de recuperações judiciais e para a realização dos procedimentos de falência.


Mônica Mansur Brandão


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