quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Questões importantes de governança corporativa


Governança corporativa é um assunto em evolução, desde que eclodiu nos anos oitenta, com o caso Texaco, na Califórnia, EUA; dali, foi disseminado pelo Planeta. Sobre tal eclosão, sugerimos a leitura do nosso post denominado Caso Texaco: a emergência do movimento pela governança corporativa

Ao longo do tempo, incontáveis estudos têm sido feitos para melhor compreensão do que seja governança corporativa. Neste Espaço Governança, comentamos alguns, em artigos que podem ser acessados no post Teorias da governança corporativa.

Com o passar do tempo, governança corporativa deixou de focar, exclusivamente, o conflito de agência, ou seja, o conflito entre quem tem a propriedade e quem tem o poder de decisão nas empresas, incorporando temas como responsabilidade social, ética e sustentabilidade. 

Em 2023, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), entidade que tem demonstrado, ao longo de anos, excepcional liderança na defesa das boas práticas de governança em nosso País, lançou a sexta versão do seu Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, revisando o conceito, os princípios e as práticas de governança ali apresentados. 

Neste ano de 2024, quase na metade da década 2021-2030, vários temas se destacam como cruciais para a governança das organizações, a fim de que estas se fortaleçam, enfrentem seus desafios, respeitem seus stakeholders e alcancem um modus operandi eficaz e responsável. 

Às organizações estatais, cumpre perseguir objetivos legalmente estabelecidos; às empresas privadas, buscar retorno econômico, atentando à competição; às demais organizações da economia, cumpre atuarem em prol dos seus objetivos específicos. Todas essas organizações devem buscar seus objetivos à luz da ética e das boas práticas de governança e sustentabilidade.

Abaixo, destacamos alguns temas que consideramos mais trepidantes para o momento, sem perder de vista que, em que pese a sua segregação em quatro grupos, certamente estão interconectados. 

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GRUPO 1 
Temas: compliance, cultura de governança e boas práticas de governança
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Compliance

Iniciando pelo compliance, sócios e líderes devem perseguir e alcançar a conformidade com regras formais, várias das quais frequentemente se alteram. Questões como proteção ambiental, proteção de dados e reportes de  sustentabilidade, entre outras, vêm criando a necessidade de compliance dinâmico. 

Ao mesmo tempo, há mais do que regras formais e compliance. Há que considerar também as regras informais que permeiam o ambiente de governança corporativa, e que são aqui resumidas na expressão cultura de governança corporativa ou, simplesmente, cultura de governança

Cultura de governança

Uma boa cultura  de governança requer princípios éticos verdadeiros, os quais devem coincidir, na prática, com aqueles preconizados em códigos de ética e/ou de governança formais e escritos. A nosso ver, a cultura de governança poderia ter, como sinônima informal, a expressão é assim que nós verdadeiramente fazemos as coisas nesta organização

A concepção de cultura de governança aqui apresentada, que pode diferir de outras, considera o pensamento do professor Douglass North, Prêmio Nobel de Economia (1993), e pode ser vista também nos artigos Como as regras do jogo impactam o capitalismo? e As regras do jogo e sua importância para a economia. 

Tanto o compliance, isto é, a conformidade com regras legais, quanto a cultura de governança, ou seja, o conjunto de regras informais realmente seguidas por sócios e líderes organizacionais requerem uma plataforma de governança que lhes dê sustentação. 

Plataforma e boas práticas de governança

A plataforma de governança supracitada é integrada, fundamentalmente, por estruturas, processos & suas ferramentas e profissionais & seus sistemas de recompensas. E a estratégia, após sua definição, torna-se elemento constituinte da plataforma em questão. 

Esses elementos acima relacionados não são aleatórios, derivam do conceito de arquitetura organizacional, egresso da Ciência Administrativa, o qual reúne os elementos que descrevem o projeto de uma organização, de acordo com o professor Jay R. Galbraith. No post Em foco: o que é arquitetura organizacional?, pode-se melhor entender o conceito de arquitetura organizacional e suas peças constituintes.

Com base no exposto:

1. Conselhos de administração, consultivos e fiscais, bem como diretorias executivas são exemplos de estruturas de governança, sobre as quais muito se tem escrito ao longo da trajetória da governança corporativa no Brasil e no mundo, especialmente sobre os conselhos de administração. 

2. A produção, aprovação e publicação de informações para o mercado investidor integra um dos processos de governança, o qual perpassa também o ambiente de gestão operacional. Um segundo exemplo de processo que perpassa a organização até o ambiente de governança é o de gestão estratégica. O terceiro exemplo aqui apresentado é o processo de gestão de riscos. 

3. Conselheiros e diretores executivos são profissionais da governança corporativa. Altamente qualificados, têm sistemas de remuneração diferenciados em relação àqueles aplicáveis aos demais profissionais das organizações.

4. As estratégias corporativas e de negócios, aprovadas por conselhos de administração, determinam rumos para a organização seguir, são caminhos de sucesso para o alcance de propósitos, objetivos e metas organizacionais.

As boas práticas de governança corporativa identificadas no Código do IBGC e em outros códigos de governança existentes em outros países buscam, de forma objetiva e em prol da eficácia, melhorar a plataforma de governança, que é ampla, holística, e agrega, ao lado de estruturas, processos e ferramentas de trabalho, o humanware, isto é, os seres humanos que devem direcionar a organização, bem como estratégias corporativa e de negócios. 

As boas práticas de governança, são portanto, recomendações diretas, objetivas, que visam a melhorar a plataforma de governança e, por essa razão, buscando também a praticidade, substituímos a expressão plataforma de governança por boas práticas de governança na relação de temas do início deste grupo 1. 

Plataformas de governança são sempre positivas para a organização? Sempre favorecem o compliance e a cultura de governança? Não necessariamente. Elas podem operar para o bem, mas, por vezes, também para o mal, como demonstram os escândalos corporativos ocorridos em vários países, incluindo o nosso. Quando esses escândalos ocorrem, por vezes destruindo um ecossistema de negócios, transações, posições de trabalho e reputações profissionais, as organizações envolvidas muito provavelmente passaram ao largo de práticas de governança consideradas realmente boas e recomendáveis.

Em suma

O conjunto compliance - cultura de governança - boas práticas de governança é fundamental para enfrentar mudanças, sejam estas nos ambientes externo ou interno. Há uma espécie de simbiose tripla entre esses três elementos, pois eles têm forte interdependência entre si. Em nossa opinião, esses temas parecem ser perenes com o passar do tempo.

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GRUPO 2 
Temas: Ética, sustentabilidade e diversidade 
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Ética

A ética é fundamental para a construção de confiança dos stakeholders. A pressão para que as organizações sejam éticas e transparentes em suas operações, com boa divulgação de informações financeiras e práticas de trabalho, vem aumentando, não diminuindo. Escândalos corporativos espantosos evidenciam a importância de uma governança baseada em princípios éticos sólidos. Sugere-se, assim, a leitura do  post Novo Código de Governança do IBGC, o qual focaliza, especificamente, a definição e os princípios de governança estabelecidos nesse documento.

Sustentabilidade

A sustentabilidade, também questão de direitos humanos, é um dos princípios da governança corporativa contemporânea. Práticas de sustentabilidade têm sido muito exigidas por reguladores, investidores,  consumidores e os cidadãos. As empresas e demais organizações da economia precisam  integrar a sustentabilidade nos múltiplos aspectos de suas operações. A capacidade de demonstrar práticas sustentáveis ou mais sustentáveis mostra-se crítica para atrair investimentos e manter a reputação corporativa. A título de informação, sugere-se a leitura dos posts Em foco: quais são as três dimensões clássicas da sustentabilidade e ESG, EESG e a Constituição Federal. 

Importante: a sigla ESG - Environmental, Social and Governance, em períodos anuais recentes, substitui (ou complementa?) o Triple Bottom Line do primeiro post indicado. 

Diversidade

A diversidade em várias instâncias organizacionais e no conselho de administração, mais especificamente, tem sido um tema crítico, relacionado tanto com a ética quanto com a sustentabilidade. Diversidade de gênero, raça e experiências são vistas como formas de fortalecer a tomada de decisões e melhorar o desempenho corporativo. Organizações vêm sendo incentivadas a adotar políticas que promovam uma maior inclusão no nível de liderança, o que também é uma expectativa crescente dos investidores. E esta é uma questão de interesse de todos - sócios, líderes organizacionais e seus liderados.

Em síntese

Ética, sustentabilidade e diversidade estão ancoradas nos direitos humanos e fundamentais, previstos em nossa Constituição Federal. Os direitos fundamentais são direitos humanos expressos, isto é, escritos na Carta Magna. E para que a mencionada ancoragem seja forte, as organizações dependem de sócios e lideres virtuosos, que não sejam, contrariamente, tóxicos e prejudiciais à organização. Nesse sentido, sugerimos a leitura do artigo Pessoas tóxicas no topo das organizações.

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GRUPO 3 
Temas: Cibersegurança e inteligência artificial (IA)
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Cibersegurança

Com o aumento das ameaças cibernéticas, a cibersegurança se tornou uma preocupação central para a governança corporativa. Conselhos de administração vêm sendo pressionados a entender melhor os riscos cibernéticos e a implementar políticas rigorosas de proteção de dados. Violações de dados podem resultar em sérias repercussões legais e de reputação, tornando a cibersegurança prioridade estratégica.

Inteligência artificial 

Quanto à adoção de inteligência artificial (IA), esta e outras tecnologias emergentes têm implicações substanciais para a governança corporativa. Tais inovações, ainda recentes, trazem novos desafios em termos de governança de dados, privacidade, e responsabilidade algorítmica. As organizações precisam assegurar que as suas implementações de IA estejam alinhadas com as melhores práticas de governança, para evitar discriminação, vieses e outros riscos associados.

Resumindo

Ao lado do risco permanente de mudanças tecnológicas e novos entrantes que venham a tornar negócios obsoletos, destacamos aqui dois grandes temas, que nos parecem muito importantes: cibersegurança & proteção de dados e inteligência artificial (AI) & governança de dados. 

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GRUPO 4 
Temas: Tomada de decisões e geração de valor econômico a curto e longo prazos
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Tomada de decisões

Tomar decisões no ambiente de governança corporativa é uma das mais nobres tarefas do trabalho dos sócios e líderes ali presentes. Decisões não são exclusivas deles, já que muitas outras são tomadas no ambiente de gestão operacional, mas as decisões de governança são aquelas de mais altos abrangência e impacto . Com vistas a um maior nível de aprofundamento, sugerimos a leitura do post Teorias da decisão, que concatena vários artigos sobre tomadas de decisão deste Espaço Governança.

Geração de valor econômico a curto e longo prazos

Primeiramente, é preciso relembrar o que significa geração de valor econômico, no universo corporativo. Ela tem a ver com aumentar o valor econômico de uma organização. Neste ponto, sugerimos a consulta aos posts Em foco: o que significam valor de mercado e valor econômico? e Em foco: o que afeta do valor de mercado e o valor econômico?

Buscar apenas retornos imediatos pode ser bom em um primeiro momento, mas fatal para os negócios, mais adiante. Aliás, esse dilema entre retornos de curto e longo prazo é clássico da governança corporativa e ainda não deixou de ser muito importante e por essa razão, é aqui contemplado. 

A boa governança deve assegurar que as decisões estratégicas considerem os impactos a longo prazo sobre a sustentabilidade financeira e reputacional da empresa. A visão de longo prazo, aliás, está visceralmente relacionada ao princípio da sustentabilidade. Importante dizer que a sustentabilidade não ignora necessidades de curto prazo, mas tem uma extensão muito mais ampla e orientada para a longevidade organizacional. 

A excessiva ou exclusiva preocupação com o curto prazo pode ser debitada a quais fatores? Certamente não se pode desconsiderar as situações conjunturais ou momentâneas que tornam a administração corporativa mais curto-prazista. Ao mesmo tempo, é preciso refletir sobre a cultura de governança e a conduta de sócios e líderes. Condutas tóxicas, por exemplo, podem ser focadas em benefícios próprios de curto prazo, em detrimento da defesa de reais necessidades organizacionais. Assim, novamente sugerimos a leitura do artigo Pessoas tóxicas no topo das organizações.

Enfim

Tomadas de decisões e geração de valor a curto versus longo prazo são temas que afetam, de forma acachapante, o futuro organizacional. Alguma dúvida sobre esta afirmativa?

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ASSIM SENDO
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Vistos acima os quatro grupos de temas, o que mais teríamos a dizer? 

Primeiramente, que as organizações que se destacam nem sempre são aquelas que cumprem exigências formais. É preciso ir além, muito além. Manter um bom compliance, criar e consolidar uma cultura de governança, adotar e melhorar práticas de governança não se tratam de trivialidades. Requerem, além dos recursos materiais e humanos necessários, o letramento de sócios e líderes corporativos em temas diversos, inclusive em bases que não permitam que os seus conhecimentos se tornem desatualizados. 

Em segundo lugar, tratar de desafios - o que fizemos neste artigo, é laborioso, mas não é o mais difícil. Mais desafiadora é a avaliação correta ou quase das variadas realidades, por mais que tenhamos informações e um histórico de bons resultados organizacionais. Ocorre que o futuro não necessariamente repete o passado. Quais organizações estão realmente antenadas com questões importantes para a governança e o futuro organizacional? Quais organizações são o que aparentam ser? Quais realmente pretendem alcançar o que afirmam pretender?

Adicionalmente, os quatro grupos e seus 10 temas acima apresentados, ainda que não exaustivos, se apresentam como desafios de governança corporativa. Como a realidade é dinâmica, se alguns temas poderão ser superados, outros serão perenes, e novos virão. Estas são as nossas expectativas.

Por fim, o Congresso do IBGC deste ano focaliza o tema Cultura de governança e os desafios do Brasil e este será um dos mais importantes congressos do Instituto. 


Mônica Mansur Brandão


Em complementação aos conteúdos acima citados, as duas páginas abaixo indicadas deste Espaço Governança contêm links para artigos publicados por Cida Hess e Mônica Mansur, respectivamente na Revista RI - Relações com Investidores, e no Portal Acionista:

(Revista RI)

(Portal Acionista)