Governança corporativa é sustentada por princípios éticos. Esses princípios, por seu turno, se conectam com princípios e normas expressas na Constituição Federal do Brasil (1988), mesmo que a expressão "governança corporativa" não esteja presente no texto constitucional.
Considerando os cinco princípios constantes no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa (6a. edição), do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), apresentamos a seguir, de forma não exaustiva e preliminar, algumas disposições da Carta Magna, às quais se conectam os princípios de governança do referido Código.
A integridade na governança corporativa exige a adoção e a promoção de uma cultura ética sólida dentro das organizações. Esse princípio visa a garantir que as decisões sejam tomadas de forma coerente com padrões elevados de conduta, prevenindo conflitos de interesse, assegurando alinhamento entre discurso e ação e reforçando a lealdade à organização e às partes interessadas. Além disso, a integridade deve contemplar o compromisso com a sociedade e o meio ambiente.
Conexões com a Carta Magna:
Art. 37, caput – Estabelece o princípio da moralidade administrativa que, embora aplicável à Administração Pública, serve como referência para a conduta ética empresarial.
Art. 173, parágrafo 4º – Determina a repressão ao abuso do poder econômico, reforçando a necessidade de que as empresas atuem com probidade e respeito às boas práticas de mercado.
2. Transparência
A transparência implica a disponibilização de informações verdadeiras, coerentes e relevantes para todas as partes interessadas, indo além das exigências legais. Esse princípio não se limita à divulgação do desempenho econômico-financeiro, mas também abrange fatores ambientais, sociais e de governança. Ao adotar práticas transparentes, as organizações fortalecem a confiança dos stakeholders e criam um ambiente propício ao desenvolvimento sustentável dos negócios.
Conexões com a Carta Magna:
Art. 5º, inciso XIV – Assegura o direito de acesso à informação, fundamental para assegurar transparência e clareza nas relações institucionais.
Art. 37, caput – Estabelece o princípio da publicidade que, embora aplicável à Administração Pública, serve como referência para a conduta ética empresarial.
Art. 173, parágrafo 4º – Reforça a necessidade de transparência nas atividades empresariais, prevenindo abusos e contribuindo para um ambiente econômico mais justo e equilibrado.
3. Equidade
A equidade exige que todas as partes interessadas sejam tratadas de maneira justa e equilibrada, considerando seus direitos, deveres e expectativas. Esse princípio se fundamenta na justiça, respeito, diversidade, inclusão e igualdade de oportunidades, visando a garantir que a organização promova relações equitativas tanto interna quanto externamente.
Conexões com a Carta Magna:
A equidade exige que todas as partes interessadas sejam tratadas de maneira justa e equilibrada, considerando seus direitos, deveres e expectativas. Esse princípio se fundamenta na justiça, respeito, diversidade, inclusão e igualdade de oportunidades, visando a garantir que a organização promova relações equitativas tanto interna quanto externamente.
Conexões com a Carta Magna:
Art. 3º, inciso IV – Prevê a promoção do bem de todos, sem discriminação, reforçando a importância da equidade nas relações institucionais e empresariais.
Art. 5º, caput – Estabelece o princípio da igualdade, assegurando que todas as partes envolvidas sejam tratadas de forma justa e sem privilégios indevidos.
4. Responsabilização
A responsabilização envolve o dever de gestores e organizações atuarem com diligência, independência e visão de longo prazo. Além de assumirem as consequências de suas decisões e omissões, devem prestar contas de forma clara e tempestiva, garantindo a confiabilidade dos negócios e a segurança das partes interessadas.
Conexões com a Carta Magna:
A responsabilização envolve o dever de gestores e organizações atuarem com diligência, independência e visão de longo prazo. Além de assumirem as consequências de suas decisões e omissões, devem prestar contas de forma clara e tempestiva, garantindo a confiabilidade dos negócios e a segurança das partes interessadas.
Conexões com a Carta Magna:
Art. 5º, inciso XXXII – Determina a proteção ao consumidor, impondo às empresas a obrigação de agir com responsabilidade na oferta de produtos e serviços.
Art. 173, parágrafo 5º – Define que administradores de organizações com atividades assumidas pelo Estado podem ser responsabilizados pessoalmente por atos ilícitos cometidos na gestão, reforçando a importância da responsabilidade corporativa. Aplicável a essas organizações, serve como referência para a conduta ética empresarial.
5. Sustentabilidade
A sustentabilidade requer que as organizações conciliem sua viabilidade econômico-financeira com a redução das externalidades negativas e o fortalecimento das externalidades positivas de suas operações. Isso significa incorporar no modelo de negócios a consideração de diferentes formas de capital (financeiro, social, ambiental, humano, intelectual, entre outros), promovendo uma atuação interdependente com os ecossistemas social, econômico e ambiental.
Conexões com a Carta Magna:
Art. 225, caput – Garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe o dever de preservação tanto ao poder público quanto às empresas.
Art. 170, inciso VI – Incorpora a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica, exigindo que as organizações adotem práticas sustentáveis em suas operações.
Como dito inicialmente, as disposições constitucionais anteriores não são exaustivas, mas ajudam a ilustrar que a governança corporativa tem vínculos com a Constituição Federal do Brasil. Ao mesmo tempo, dada a complexidade do tema deste artigo, o ideal é que este seja objeto de um debate jurídico com várias cabeças pensantes. O presente texto é uma contribuição inicial para reflexões dos leitores, lembrando que relacionar temas relevantes à Carta Magna e sua riqueza é sempre um desafio intelectual e que pode originar considerável controvérsia.
Adicionalmente, os princípios da governança estão presentes, ainda que de forma não explícita (no momento em que escrevemos), na legislação e nas demais normas infraconstitucionais. O Código Civil (Lei n. 10.406/2002), no que tange ao Direito Empresarial, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976) e a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários são exemplos de instrumentos imprescindíveis de governo das organizações. Esses instrumentos são tão vastos que mereceriam, cada um, vários artigos.
Por fim, governança corporativa, mais do que um conjunto de boas práticas que buscam ir além da legislação, é a base de sustentação de organizações que desejam prosperar com integridade e outros princípios muito importantes, em ambientes de riscos e mutações permanentes. A boa governança reflete os valores essenciais de uma sociedade democrática, assegurando que as organizações operem de forma ética e gerem confiança entre seus stakeholders. E tal confiança, além de ser um dos ativos mais valiosos no ambiente corporativo, é força motriz na construção de sociedades mais justas, resilientes e sustentáveis.
Mônica Mansur Brandão
Veja aqui informações sobre a governança do Brasil, inclusive uma sugestão de enquadramento dos artigos da Carta Magna nas dimensões EES-G.
E leia abaixo, de forma mais completa, as disposições da Carta Magna relacionadas ao presente artigo.
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Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
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Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
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Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º - lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
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Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
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