A formalização da Síndrome
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a Síndrome de Burnout como um fenômeno ocupacional na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), em 2022. Segundo a OMS, Burnout é caracterizado por três dimensões principais: exaustão extrema, distanciamento emocional do trabalho e sensação de ineficácia ou falta de realização.
No Brasil, o Ministério da Saúde incluiu a Síndrome de Burnout no rol de doenças ocupacionais, por meio da Portaria 1.999, de novembro de 2023. Essa mudança veio acompanhada de parecer favorável do Ministério do Trabalho e Emprego, reforçando o entendimento de que o Burnout pode ser resultado direto das condições de trabalho.
A Síndrome e as ações judiciais
Apesar da formalização, a comprovação da relação entre a Síndrome e a atividade profissional continua sendo um desafio nas ações judiciais. A formalização não garantiu, por si só, no âmbito jurídico, a aceitação automática do Burnout como doença ocupacional.
Na matéria denominada Burnout: Como os tribunais têm decidido os processos sobre exaustão no trabalho?, o portal JOTA destaca destaca o crescimento expressivo dos casos de Síndrome de Burnout no Brasil e como isso tem impactado o Judiciário trabalhista.
Em 2023, 421 trabalhadores foram afastados devido ao Burnout, um aumento de mais de 1.000% nos últimos 10 anos, conforme dados do INSS. Esse avanço na prevalência da condição tem levado a um aumento na judicialização, com trabalhadores buscando indenizações por danos morais relacionados à exaustão no ambiente de trabalho.
JOTA mapeou 108 decisões proferidas entre outubro e dezembro de 2024 nos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª, 4ª e 15ª Regiões. A análise revelou que, na maioria dos casos (67,6%), os tribunais negaram os pedidos de indenização. Apenas 32,4% das decisões foram favoráveis aos trabalhadores. A principal justificativa para a negativa foi a dificuldade de comprovar o nexo causal entre a atividade profissional e o desenvolvimento da síndrome.
Fundamental: comprovar nexo causal
A matéria acima mencionada destaca que apenas alegar sintomas de esgotamento ou estresse não é suficiente para garantir indenização. A Justiça exige provas concretas das condições inadequadas de trabalho que levaram ao desenvolvimento da Síndrome. Nos casos em que o nexo causal ou concausal não é claramente estabelecido, os tribunais tendem a negar os pedidos de indenização.
Importante: o nexo causal é a relação direta entre um fato e o dano sofrido pela vítima. No contexto jurídico e trabalhista / previdenciário, significa demonstrar que um evento (como condições de trabalho) foi a causa determinante de uma doença ou lesão. O nexo concausal, por seu turno, ocorre quando um fator contribui para o agravamento de uma condição, sem ser a única causa.
Os tribunais justificam suas decisões com base na análise das provas apresentadas. Em muitos casos negados, os desembargadores entenderam que não havia elementos suficientes para vincular diretamente a Síndrome de Burnout ao trabalho exercido pelo profissional. Assim, embora a doença seja reconhecida oficialmente, sua comprovação como resultado das atividades laborais ainda depende de critérios rigorosos na Justiça.
Para comprovar o nexo causal em uma ação judicial de Burnout, é essencial apresentar laudos médicos que vinculem inequivocamente a Síndrome ao trabalho, além de registros que evidenciem sobrecarga, como controle de ponto, e-mails e metas abusivas. Testemunhas, laudos ergonômicos e exames admissionais também podem reforçar a deterioração da saúde do trabalhador devido às condições laborais.
A inclusão de jurisprudência favorável fortalece a argumentação, demonstrando que a Síndrome já foi reconhecida como doença ocupacional. Provas concretas e uma linha lógica clara são essenciais para afastar outras causas e responsabilizar, quando isso for justo, o empregador.
A prevenção da Síndrome pelas empresas
A crescente judicialização da Síndrome de Burnout também levanta questões sobre o papel das organizações na prevenção do problema. Ambientes de trabalho saudáveis, com políticas que valorizem a saúde mental e promovam uma melhor divisão de tarefas, podem reduzir significativamente o risco de Burnout entre os empregados e demais prestadores de serviços. Criar essas políticas é decisão da órbita da governança corporativa ou da governança organizacional, conforme se prefira chamar o sistema de governo da organização.
A matéria do JOTA conclui que o aumento dos casos de Burnout e sua judicialização refletem mudanças na percepção do esgotamento profissional. No entanto, a dificuldade de estabelecer o nexo causal nas ações judiciais mostra que ainda há desafios para que os trabalhadores afetados consigam reparação na Justiça. Esse cenário reforça a importância de medidas preventivas por parte das empresas e do fortalecimento das políticas de saúde mental no ambiente de trabalho.
Por fim, a Síndrome de Burnout pode vitimar pessoas em vários níveis hierárquicos nas organizações, do topo à base. CEOs e outros executivos são públicos sujeitos a sofrer em função da Síndrome, haja vista a alta pressão sofrida no exercício de suas atividades.
Por fim, a exaustão extremada, a infelicidade das pessoas e as causas judiciais desnecessárias (mesmo se vencidas na Justiça) não ajudam a criar valor, quando se trabalha com visão de longo prazo. Buscar um ambiente de trabalho saudável é, a um só tempo, uma escolha ética e uma escolha inteligente.
Mônica Mansur Brandão
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